Coronavírus (COVID-19): O Cumprimento dos Contratos em Tempos de Pandemia

No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a COVID-19, doença causada pelo Sars-Cov-19, já é caracterizada como uma pandemia.

 

Dessa forma, foi sancionada a Lei nº 13.979/2020 que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do surto ocasionado pelo coronavírus. Foi ainda promulgado o Decreto nº 10.282/2020 para regulamentar a Lei nº 13.979/2020, a fim de definir quais são os serviços públicos e as atividades essenciais.

 

Muito embora ainda não haja posicionamento dos Tribunais e dos Poderes Legislativo e Executivo sobre os efeitos jurídicos oriundos das medidas de prevenção adotadas para diminuir os impactos da COVID-19, o entendimento mais plausível seria o de caracterizar a pandemia como caso fortuito, considerando as medidas drásticas que já estão sendo tomadas e que ainda estão por vir.

 

O isolamento social e as outras restrições impostas pela Lei 13.979/2020 e pelos decretos estaduais e municipais, mesmo que de forma excepcional e por período temporário, podem ocasionar a impossibilidade de adimplemento de contratos, seja por motivos de baixa na arrecadação das empresas ou até pela paralisação parcial ou integral dos serviços.

 

Do ponto de vista contratual, sabe-se que o contrato cria obrigações entre as partes, e havendo descumprimento, nasce a necessidade de reparação dos prejuízos causados pelo inadimplemento.

 

Assim sendo, vejamos o que o Ordenamento Jurídico Brasileiro dispõe sobre o inadimplemento contratual em circunstâncias de caso fortuito.

 

O Código Civil determina em seu art. 393 que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

 

Caso fortuito e força maior são institutos extremamente semelhantes, se confundindo nas suas consequências, sendo necessário o detalhamento de suas diferenças.

 

A força maior deriva de um fato extrínseco à atividade da empresa, tratando-se de eventos naturais, não havendo interferência externa ou vontade humana, são exemplos as tempestades, inundações e raios.

 

Já o caso fortuito é oriundo do próprio serviço, havendo interferência humana na organização e funcionamento deste serviço, por exemplo o cabo de uma instalação que se rompe, a peça de uma máquina que despenca, produzindo acidentes e danos materiais ou pessoais.

 

O caso fortuito pode, ainda, ser causado por fato de terceiro, como por exemplo, a greve, que, por sua vez, provoca a paralisação da fábrica e impossibilita a entrega dos produtos, fazendo com que a empresa não consiga adimplir suas obrigações.

 

Entendemos que o inadimplemento contratual advindo das consequências das restrições impostas pelo Governo como forma de prevenção ao coronavírus, se encaixam no conceito de caso fortuito. Isso porque a impossibilidade do cumprimento das obrigações contraídas é decorrente da própria atividade exercida.

 

Maria Helena Diniz explica ainda que o caso fortuito pode ser oriundo de um fato de terceiro, que é exatamente o que ocorre no caso das medidas de prevenção contra a COVID-19, que foram determinadas pelo Estado, afetando por consequência, a produtividade das empresas e o cumprimento de suas obrigações.

 

Logo, considerando não haver culpa por nenhuma das partes, o devedor, em regra, não responderá pelos possíveis prejuízos causados, salvo se não tiver assumido no contrato o dever de responder pelo inadimplemento, mesmo na hipótese da ocorrência de eventos deste tipo.

 

Caso o contratante não tenha expressamente se responsabilizado em casos de força maior e caso fortuito, para que possa fazer uso de alguma das excludentes de responsabilidade civil, nos termos do artigo 393, do Código Civil, deverá comprovar o nexo causal entre o impacto causado pela pandemia da COVID-19 e o descumprimento da obrigação contratual, tendo em mente as peculiaridades de cada contrato e de cada parte.

 

Deve-se analisar cada relação contratual, compreendendo suas cláusulas e o contexto das partes: se realmente não havia a possibilidade de cumprimento da obrigação, se houve excessiva onerosidade para o adimplemento, se houve frustação do objeto do contrato; são diversas peculiaridades que somente podem ser examinadas à luz de cada contrato.

 

Como se observa, não é qualquer obstáculo que romperá o nexo causal entre a obrigação inadimplida, o dano ou prejuízo causado e a ausência do dever de arcar com as penalidades. Isso porque, para que seja assim considerado, o obstáculo deve ser instransponível à execução da obrigação.

 

Além disso, é imprescindível que o devedor demonstre que não se encontrava em mora antes dos fatos que ensejaram o caso fortuito, vez que neste caso o inadimplemento já era preexistente, e o fato da mora ter sido agravada pela COVID/19, não o isentará de arcar com as penalidades decorrentes do descumprimento, as quais certamente abrangerão todo o período em que a obrigação deixou de ser cumprida.

 

Lado outro, antes de se postular a suspensão ou extinção do contrato é imprescindível a análise do instrumento como um todo por um profissional do Direito, principalmente para que possa interpretar a extensão das responsabilidades baseada na redação da cláusula dedicada a esse fim, que, por vezes, pode estar confusa, mal redigida, ou até mesmo elencar e limitar as hipóteses consideradas como caso fortuito e força maior, excluindo os eventos de agora.

 

No que tange aos contratos que serão celebrados durante a pandemia, é de extrema relevância informar que as restrições já existentes no momento não poderão ser considerados para alegações futuras de força maior e caso fortuito, vez que já não serão consideradas desconhecidas e imprevisíveis dos contratantes.

 

Recomenda-se, de forma preventiva, para conferir maior segurança jurídica aos contratantes, que as novas contratações contenham a previsão expressa de cláusula de força maior e caso fortuito, ajustando quais as soluções serão implementadas em caso de situações análogas, como por exemplo, a suspensão do contrato ou a desistência do negócio, para colocar fim às obrigações mitigando os prejuízos dos contratantes.

 

Importante ainda ressaltar, por fim, que a COVID-19 é uma pandemia, ou seja, a disseminação generalizada de uma doença infecciosa entre a população mundial, que está influindo diretamente nas bases da economia global. A par de tudo isso, recomenda-se, primeiramente, aos contratantes uma saída negocial, pautada no bom senso, colaboração e boa-fé, para se evitar o rompimento abrupto dos contratos. Logo, caso exista a opção, opte por renegociar, formalizando aditivos contratuais a fim de ser restabelecido o equilíbrio contratual e evitar o agravamento da crise financeira e social.

 

Bibliografia:

 

Artigo “Devagar com o andor: Coronavírus e contratos” publicado por Flávio Tartuce em 23/03/2020.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, volume 4: Responsabilidade Civil, 12. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.

 

DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito civil brasileiro, volume 2: Teoria Geral das Obrigações, 22. ed. 22. ed. rev. e atual, de acordo com a Reforma do CPC – São Paulo: Saraiva, 2017.

Por Amanda de Oliveira Silva Pinto e Heloina Miranda
Amanda de Oliveira Silva Pinto é Advogada do Escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados, graduada em Direito pela PUC/Minas (2017). Pós-graduanda em Direito Civil Contemporâneo pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Atua no contencioso de Direito Civil e do Consumidor, possuindo experiência na condução de demandas judiciais e extrajudiciais. E-mail: asilva@gvmadvogados.com.br   Heloina Miranda é Advogada Sênior e Coordenadora Cível do Escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados, responsável pelas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico nas áreas: contratos, direitos reais, ações indenizatórias em geral, sucessões e locação. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós Graduanda em Direito Cível e Processual Cível pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: hmiranda@gvmadvogados.com.br