Crédito presumido de ICMS não pode ser incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL

É de conhecimento geral que os Estados (ou a grande maioria deles), visando atrair investimentos para seu território, ou ainda, implementar o desenvolvimento de algum setor econômico, oferecem às empresas incentivos fiscais como redução de alíquota de ICMS, crédito presumido, etc.

 

Em vista da possibilidade de exclusão das receitas de subvenção para investimento das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, respeitados os requisitos legais[1], a Secretaria da Receita Federal do Brasil sempre questionou qualificações de incentivos fiscais de ICMS como subvenção para investimento, sob a alegação de que tratariam, de fato, de subvenções para custeio e, como tal, classificadas no inciso IV, do artigo 44, da Lei nº 4.506/1964, compondo a base de cálculo do IRPJ e da CSLL:

 

Art. 44. Integram a receita bruta operacional:

I – O produto da venda dos bens e serviços nas transações ou operações de conta própria;

II – O resultado auferido nas operações de conta alheia;

III – As recuperações ou devoluções de custos, deduções ou provisões;

IV – As subvenções correntes, para custeio ou operação, recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas naturais.

 

Para melhor compreender a questão, importante transcrever os conceitos dos tipos de subvenção, contidos no Parecer Normativo CST 112, de 29 de dezembro de 1978 (D.O.U. de 11 de janeiro de 1979):

 

Subvenção para custeio é a transferência de recursos para uma pessoa jurídica com a finalidade de auxiliá-la a fazer face ao seu conjunto de despesas.Subvenção para operação é a transferência de recursos para uma pessoa jurídica com a finalidade de auxiliá-la nas suas operações, ou seja, na consecução de seus objetivos sociais.

(…) que subvenção para investimento é a transferência de recursos para uma pessoa jurídica com a finalidade de auxiliá-la, não nas suas despesas mas sim na aplicação especifica em bens ou direitos para implantar ou expandir empreendimentos econômicos.

 

Ou seja, para ser excluída da base de cálculo do IRPJ e da CSLL a subvenção deve concedida às empresas para aplicação específica na implementação ou expansão de empreendimentos econômicos determinados.

 

Em 2017, contudo, a Lei Complementar 160 alterou a redação da Lei 12.973/2014, classificando os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, de forma geral, como subvenções para investimento, para fins de IRPJ e CSLL e vedando a exigência, para esse reconhecimento, de quaisquer outros requisitos não previstos expressamente na norma, quais sejam:

(i)                 registro em conta de Reserva de Incentivo Fiscais;

(ii)               utilização na absorção de prejuízos ou no aumento de capital social.

 

A Lei também previu que tal tratamento fiscal se aplicaria aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados, bem como aos incentivos de ICMS concedidos em desacordo com os requisitos constitucionais (desde que registrados e depositados perante o CONFAZ).

 

Paralelamente, a Primeira Seção do STJ, no julgamento do EREsp 1.517.492/PR, decidiu que créditos presumidos de ICMS não integram as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Nos termos da decisão do STJ, caso os créditos fossem considerados parte integrante da base de incidência dos dois tributos federais, haveria a possibilidade de esvaziamento ou redução do incentivo fiscal estadual e, além disso, seria desvirtuado o modelo federativo, que prevê a repartição das competências Tributárias.

 

Veja-se que o Tribunal não analisou a questão sob a perspectiva da Lei Complementar 160/2017, partindo de premissas diversas que aquelas relativas à classificação das subvenções e/ou ao cumprimento de qualquer requisito legal:

 

Trecho do voto proferido no EREsp 1.517.492/PR:

III – Ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.

IV – Tal entendimento leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais, consoante declinado pela própria autoridade coatora nas informações prestadas.

(…)

IX – A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.

(…)

XI – Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados. (EREsp 1.517.492/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Rel.(a) p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 01/02/2018)

 

Em vista do decidido pela Primeira Seção do STJ no EREsp 1.517.492/PR, vários casos foram julgados pelo Tribunal no mesmo sentido, de forma que a Fazenda Nacional apresentou, em muitos deles, recursos alertando para a existência de fato superveniente ao julgamento, consistente exatamente no advento da Lei Complementar 160/2017.

 

No REsp 1.605.245/RS, o Ministro Relator Mauro Campbell Marques, monocraticamente e em juízo de retratação, “adequou o decidido à superveniente Lei Complementar n. 160/2017”, nos seguintes termos:

 

Ante o exposto, com fulcro no art. 1.021, § 2º, c/c o art. 493 do CPC/2015, c/c o art. 259 do RISTJ, conheço do agravo interno para, em juízo de retratação, e em razão de legislação superveniente que influencia no mérito da lide, reconsiderar em parte a decisão agravada para consignar que a aplicação do entendimento fixado no EREsp nº 1.517.492/PR, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, no sentido da exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (lucro real), fica condicionada ao registro dos valores do benefício na reserva de lucros referida pelo art. 195-A da Lei nº 6.404/1976, e que sua utilização somente ocorra para: I – absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou II – aumento do capital social.

 

Inconformado, o contribuinte apresentou Agravo Interno, a fim de afastar as condições previstas na Lei Complementar 160/2017, sob a alegação de que “ao receber uma subvenção governamental (ex.: um benefício fiscal de ICMS), o contribuinte tem a FACULDADE (não a obrigação) de tratá-lo como subvenção para investimento ou como subvenção para custeio” e que “o julgamento do EREsp nº 1.517.492, mesmo após a publicação da LC 160/17, não condicionou aquele entendimento ao tratamento dos créditos presumidos como subvenções para investimento“.

 

Em vista da controvérsia, o Relator revogou sua própria decisão e levou a questão à Turma, que decidiu que é irrelevante a classificação do crédito presumido de ICMS como subvenção para custeio ou subvenção para investimento, na medida em que em 2017 a Corte determinou, com base em outros fundamentos, que os valores sejam retirados do cálculo do IRPJ e da CSLL. Ou seja, para o STJ, os benefícios fiscais de ICMS estão excluídos do próprio conceito de receita bruta operacional, sendo irrelevante sua classificação contábil ou quaisquer outros requisitos.

 

O posicionamento do STJ ainda não pode ser tomado como definitivo, pois a LC 160/2017 ainda deve ser efetivamente analisada pela Corte e a matéria também deve ser objeto de discussão no STF. Inclusive, já há repercussão geral reconhecida em relação a tributação do crédito presumido de ICMS para PIS e COFINS (RE 835.818/PR).

 

De qualquer forma, atualmente, com base nos precedentes do STJ, pode-se sustentar que a União não pode tributar benefícios de ICMS concedidos pelos Estados, pois essa tributação representa afronta à segurança jurídica, ao pacto federativo e à imunidade recíproca, a despeito inclusive da contabilização desses valores em reserva de lucros.

 

Já no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, a Câmara Superior tem reconhecido a impossibilidade de tributação dos benefícios fiscais de ICMS, mas desde que cumpridos os requisitos da Lei Complementar 160/2017.

 

Em qualquer dos casos, há a possibilidade de recuperação dos valores pagos nos últimos cinco anos, a contar da propositura da ação.

 

A Equipe Tributária do GVM Advogados está à disposição para tratar do assunto.

 

 

[1] Decreto-Lei n. 1.598/77

Art. 38.

(…)

  • 2º – As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e as doações, feitas pelo Poder Público, não serão computadas na determinação do lucro real, desde que: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)
  1. a) registradas como reserva de capital, que somente poderá ser utilizada para absorver prejuízos ou ser incorporada ao capital social, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do artigo 19; ou (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)
  2. b) feitas em cumprimento de obrigação de garantir a exatidão do balanço do contribuinte e utilizadas para absorver superveniências passivas ou insuficiências ativas. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)

Lei 12.973/2014

Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para: (Vigência)

I – absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou

II – aumento do capital social.

  • 1º Na hipótese do inciso I do caput , a pessoa jurídica deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.
  • 2º As doações e subvenções de que trata o caput serão tributadas caso não seja observado o disposto no § 1º ou seja dada destinação diversa da que está prevista no caput, inclusive nas hipóteses de:

I – capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou subvenções governamentais para investimentos;

II – restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitada ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou

III – integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios.

  • 3º Se, no período de apuração, a pessoa jurídica apurar prejuízo contábil ou lucro líquido contábil inferior à parcela decorrente de doações e de subvenções governamentais e, nesse caso, não puder ser constituída como parcela de lucros nos termos do caput, esta deverá ocorrer à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.
Maria Carolina Torres Sampaio
Sócia e Head da Área Tributária do GVM Advogados. Conta com mais de 15 anos de experiência no Direito Tributário, tendo atuado em grandes escritórios especializados na matéria, atendendo empresas nacionais e multinacionais, dos mais variados setores da economia, com atuação em processos administrativos e judiciais, inclusive nos Tribunais Superiores, avaliação de questões concretas relacionadas à tributação, riscos e planejamento tributário, possuindo ainda intenso contato com as mudanças legislativas objeto da chamada Reforma Tributária. Já prestou assessoria às maiores instituições financeiras do país, inclusive com vitória no Conselho de Contribuintes – CARF, em processo que envolvia valores superiores a 300 milhões de reais. Sua atuação é bastante relevante junto à grandes indústrias, empresas de serviços, seguradoras, mineradoras e construtoras. E-mail: msampaio@gvmadvogados.com.br