A delação premiada e sua importância na elucidação de crimes

O instituto da delação premiada é um dos assuntos mais comentados hoje na mídia, principalmente por conta das informações divulgadas a respeito da Operação Lava Jato, investigação sobre o maior caso de corrupção no Brasil, e envolvendo a maior empresa brasileira, a Petrobras.

É corriqueiro ler ou ver notícias de que determinados executivos ou pessoas ligadas à empresa fizeram o chamado acordo de delação premiada. No entanto, por se tratar de instituto relativamente novo no Direito Brasileiro, poucas são as informações concretas veiculadas sobre seus mecanismos e as suas consequências para o processo e para os acusados.

Um dos primeiros países a usar a delação premiada foi a Inglaterra, onde a figura do colaborador surgiu depois de decisão proferida em 1775 no chamado “caso Rudd”, quando o juiz do processo declarou admissível o testemunho do acusado contra seus cúmplices, em troca de sua impunidade.

A delação premiada, na forma que conhecemos atualmente, surgiu na década de 60, nos Estados Unidos, com o nome de plea bargaining. Naquela época, a justiça americana enfrentava problemas com a máfia, e seus integrantes presos se recusavam a colaborar com a polícia, pois temiam que outros criminosos soltos pudessem se vingar. Assim, nasceu a ideia de oferecer um prêmio a quem apontasse os companheiros de crime. Em troca, a justiça oferecia ao réu atenuação nas sanções eventualmente aplicadas.

A estratégia deu certo. Consequentemente, a delação acabou sendo adotada em outros países, como a Itália, onde o instituto auxiliou a colocar muitos mafiosos atrás das grades. No país italiano, a delação premiada também foi usada para o combate a atos terroristas, tamanha sua relevância para a persecução criminal.

Por meio da Lei 8.072/90, que trata dos Crimes Hediondos, o instituto foi adotado no ordenamento jurídico pátrio. Além da citada norma, a delação premiada está prevista no Código Penal e em diversas outras leis penais, como as Leis n° 9.034/95 (Organizações Criminosas), 7.492/86 (“Lei do Colarinho Branco”, Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), 8.137/90 (Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica), 9.613/98 (Lavagem de dinheiro), 9.807/99 (Proteção a Testemunhas), 11.343/06 (Drogas e Afins), e 12.529/11 (Lei de Defesa da Concorrência).

A delação premiada é adotada majoritariamente nos crimes denominados de colarinho branco, onde o procedimento encontra dificuldades não só de investigação, devido à complexidade dos crimes, mas, especialmente, porque muitas vezes envolve a política, elemento que agrava consideravelmente a condução dos inquéritos policiais.

De acordo com as disposições legais em vigor, os delatores devem identificar os demais coautores e participantes da organização criminosa e os crimes praticados por eles, revelar a hierarquia e a divisão de tarefas, prevenir crimes que poderiam ser praticados pelo grupo, devolver dinheiro desviado, e localizar eventuais vítimas. Em troca, o investigado que compartilha os fatos relevantes e comprova o que sabe, pode ter redução de pena e até perdão judicial.

Há, ainda, previsão de outros benefícios, como a prisão domiciliar até a sentença, como é o caso do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Além disso, o criminoso ou indiciado que colabora tem o direito a não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito.

Em outras palavras, basicamente, a delação premiada se traduz no acordo entre o Ministério Público e o acusado, onde este recebe vantagem em troca das informações que fornecerá. Quanto mais informação for dada, maior será o benefício a ele proporcionado.

Vale ressaltar que o instituto só tem validade depois de homologada a delação, e desde que o delator consiga acrescentar dados novos, além dos que a investigação já apurou. Segundo o Ministério Público, a colaboração pode trazer informações a que os investigadores nunca teriam acesso ou demorariam tempo demais para receber – dentre elas, o caminho percorrido em desvios de dinheiro.

Os contrários ao uso do instituto sustentam que a delação seria abominável, por entenderem que o Estado não pode institucionalizar a traição, bem como não deve fundamentar uma condenação criminal somente nas palavras de um criminoso delator. Rebatendo as críticas, advoga-se no sentido de que não há valor moral em manter o silêncio entre integrantes de uma organização criminosa, como pelo fato de que o delator age eticamente ao confessar seus pecados, permitindo, assim o efetivo combate ao delito que antes se perpetuava até ser devidamente repreendido.

Em pleno século XXI, com a tecnologia cada vez mais evoluída, respeitando-se as teses contrárias, fácil é corroborar com aplicação de um instrumento que permite aos aplicadores do direito a localização de provas concretas, documentais e periciais, referente a crimes graves como a apropriação indébita do erário, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilhas e outras organizações criminosas.

Certo é que as testemunhas têm medo de depor contra essas estruturas enraizadas de poder político, econômico ou contra o forte aparato de associações criminosas. Portanto, a delação premiada não deve ser banalizada ou posta em xeque devido a sua histórica e eficiente contribuição na elucidação de crimes. Trata-se de instrumento forte e eficaz para o combate a crimes graves, que reforça técnicas especiais, quando e desde que legítimas, como a interceptação telefônica e telemática, a escuta ambiental e a ação controlada, e os métodos tradicionais de investigação, a exemplo de buscas e quebras de sigilo.

A opção pela delação premiada, no entanto, depende de uma longa reflexão de quem dela pode se beneficiar, sobretudo porque é um momento delicado, no qual o possível delator sofre pressões de todos os lados. Somos obrigados a concordar quando Sêneca diz serem raros aqueles que decidem após madura reflexão. Os outros andam ao sabor das ondas e, longe de se conduzirem, deixam-se levar pelos primeiros.