As Relações de Emprego em Face da Vacina Contra o Covid-19

É fato que as relações de trabalho sofreram muitas alterações desde o início do ano de 2020 ante a pandemia de COVID-19, uma vez que o regime de trabalho em diversos segmentos teve de ser alterado, com a implantação do “home office” ou “teletrabalho” em diversas áreas que sequer imaginavam, pelo menos não em um futuro tão próximo, aderir à esse novo modelo de execução do trabalho, visando assim manter o distanciamento social recomendado visando a não disseminação do vírus e a proteção dos trabalhadores. De certo ainda que diversas atividades se mantiveram com atividades presenciais, ante a impossibilidade de enquadramento dos trabalhadores em “home office” ou teletrabalho”, sendo que as empresas buscaram implementar diversas medidas de proteção a seus trabalhadores.

Contudo, a chegada da vacina possibilita o retorno das atividades presenciais de quem teve seu regime de trabalho alterado, ante o aumento da proteção aos trabalhadores contra as formas graves da doença e ante o maior controle da pandemia.

Mas como toda mudança, o advento da vacina trouxe muitas dúvidas, tanto para os empregados, quanto para os empregadores, uma vez que a incerteza jurídica paira sobre uma obrigatoriedade (ou não) de vacinação para o comparecimento presencial no ambiente de trabalho.  De início, antecipamos que há precária jurisprudência e doutrina quanto ao tema, não havendo qualquer legislação específica que obrigue o funcionário a se vacinar para se apresentar ao trabalho.

A maior questão atualmente é se a empresa pode condicionar a permanência do colaborador à vacina contra o COVID-19. Seria a vacinação obrigatória e a extinção do contrato de trabalho do empregado que se recusa (injustificadamente) o caminho correto a ser seguido?

A vacinação obrigatória pode ser implantada nas empresas sob o argumento da sua responsabilidade em manter o ambiente de trabalho saudável e seguro, com base no artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, que disciplina como direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança“, sendo respaldado ainda pelo art. 8º, da CLT, o qual preza pela primazia dos interesses coletivos sobre os individuais.

Seguindo esta linha, é cabível pensar na vacinação como um EPC (Equipamento de Proteção Coletivo), uma vez que busca agir diretamente para neutralizar os riscos no ambiente, indo muito além do Equipamento de Proteção Individual, que, pelo próprio nome representa, é destinado à proteção individual, evitando uma possível lesão.

A melhor forma de regulamentar a vacinação obrigatória, seria, além de elaborar uma norma interna a respeito, elaborar/alterar os programas relacionados com saúde e segurança do trabalho e riscos ambientais (PPRA e PCMSO), com o auxílio de especialistas responsáveis pela elaboração destes.

A empresa deve criar ainda programas de conscientização para o empregado como informativos e palestras. Outra medida importante é a criação de norma interna determinando a vacinação, concomitantemente com a assinatura de um termo de responsabilidade.

Não deve haver nenhum impedimento ao determinar tal regra, uma vez que se atuaria dentro dos limites da Lei, ainda mais considerando ainda que há envolvido o bem-estar não só dos empregados, mas também de toda coletividade.

Na eventualidade de o empregado se recusar injustificadamente a se vacinar, o empregador poderá aplicar as sanções disciplinares legalmente previstas, com a gradação necessária, seguindo o artigo 158, da CLT, quais sejam, a advertência, a suspensão e, por fim, a dispensa por justa causa especificamente pela hipótese do art. 482, “h”, da CLT, o qual dispõe acerca dos atos de indisciplina e de insubordinação.

Excluam-se apenas as exceções legais e decorrentes de laudos médios que apontem risco grave ao trabalhador em razão de outras doenças que possua. Entretanto, se faz necessário que a empresa crie internamente programas de conscientização a todos os empregados sobre os efeitos e benefícios da vacina para toda a comunidade.

Não obstante, mesmo ciente dos efeitos que a recusa pode gerar, e, mesmo assim, o empregado manter seu posicionamento em não tomar a vacina, entende-se que é cabível aplicação das medidas punitivas.

Se após aplicação destas medidas, o empregado se recusar injustificadamente a se vacinar, pode-se entender pela aplicação da dispensa por justa causa, por ato de indisciplina/subordinação.

Reiteramos que para aplicação da dispensa por justa causa, é necessário que a empresa crie programas de conscientização do empregado (informativos, palestras, bem como que o empregado assine a presença em palestras e assine o recebimento de informativos). Deve-se ainda manter sempre os empregados informados sobre convocação para vacinação e suas respectivas datas.

Frisa-se que nesse sentido já há precedentes na Justiça do Trabalho, mais precisamente no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo – 2ª Região, que decidiu por manter a justa causa de funcionária de hospital infantil que se recusou a tomar vacina contra COVID-19. O caso foi analisado em primeira e segunda instâncias e as provas apresentadas pela empresa comprovaram a realização de campanhas sobre a importância da vacinação, além da apresentação de advertência assinada pela trabalhadora por recusar-se a vacinar. Outra negativa de vacinação ocorreu menos de uma semana depois.

O Juízo entendeu que a empresa cumpriu com o dever de oferecer condições dignas que protejam a saúde, a integridade física e psíquica de todos os trabalhadores que lhe prestem serviços. E ainda dispôs que a liberdade de consciência não deve se sobrepor ao direito à vida, bem como que a necessidade de promover e proteger a saúde de todos os trabalhadores e pacientes do Hospital, bem como de toda a população deve se sobrepor ao direito individual de se abster de cumprir a obrigação de ser vacinado.

Vale destacar ainda que no dia 17 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal, considerou a possibilidade de vacinação obrigatória na população, mas sem o uso de força, quando do julgamento das ADIs 6.586 e 6.587 e do ARE 1.267.897.

Ademais, a CLT, conforme já disposto acima, ampara eventual atitude da empresa em aplicar a justa causa, uma vez que dispõe em seu artigo 8º que:

“As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”

Outrossim, a Lei n. 13.979/2020, art. 3º, III, “d”, prevê: “Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: […] III – determinação de realização compulsória de: […] d) vacinação e outras medidas profiláticas;”

Na mesma linha, o Ministério Público do Trabalho também se manifestou quanto a temática com a publicação, em janeiro de 2021, de um guia técnico interno sobre a vacinação da COVID-19, disciplinando no item II sobre a compulsoriedade da vacinação, a obrigação das empresas de inserirem a vacinação no programa de controle médico de saúde ocupacional e vacinação, proteção coletiva e recusa do empregado.

Por fim, ressalta-se que o empregador deve buscar orientação especializada para a análise da situação da fática e das medidas a serem tomadas relacionadas ao tema.

 

O GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados possui equipe especializada em Direito do Trabalho para atendimento imediato nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Uberlândia e Salvador, sem prejuízo da atuação à distância em outras localidades, com larga experiência no âmbito consultivo e contencioso, estando qualificado para solucionar demandas acerca do tema.

Ronan Leal e Nicole Barros
Ronan Leal é Advogado do Escritório GVM – Guimarães & Vieira de Mello Advogados, bacharel em Direito pela UEMG segundo semestre de 2008, pós graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo LFG. Larga experiência em Direito do Trabalho Empresarial com experiência em peças de todos os gêneros, recursos, audiências em geral, sustentação oral. Coordenação de área trabalhista, com a administração de demais advogados, distribuição e análise de tarefas.  E-mail: rleal@gvmadvogados.com.br Nicole Barros é estagiária trabalhista no escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados, com experiência na área de Direito do Trabalho, analisando e elaborando peças e documentos processuais, elaboração de petições. Cursando Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: nbarros@gvmadvogados.com.br