“SE A ANPD TE CHAMAR, RESPONDA.” CONFIRA O ARTIGO DO HEAD DE COMPLIANCE, RAFAEL EDELMANN AO PORTAL ESTADÃO.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) divulgou dia 23 de março último a lista de processos sancionatórios em curso. Ainda não há muitas informações a respeito. Neste primeiro momento, apenas o nome da empresa ou do órgão público, a conduta imputada, o setor de atuação e o número do processo foram divulgados. Não são muitas informações, mas com base nelas podemos vislumbrar alguns padrões sobre a forma de atuação da ANPD.

Em primeiro lugar, o impacto do não atendimento às solicitações da ANPD. Em cinco dos oito processos isso é mencionado. O não atendimento a uma solicitação pressupõe que antes houve uma troca de notificações. Até seria possível falar que houve tentativa frustrada de citação, não fosse o fato de que em todos esses casos se tratava de órgãos públicos, cujos responsáveis são facilmente identificáveis — então isso não vem ao caso. O que aconteceu, provavelmente, foi o não atendimento deliberado a ordens da Autoridade. A não ser que tais ordens tenham sido flagrantemente ilegais, o que é improvável, pode-se concluir que o próprio poder público desconsiderou determinações da ANPD. Seja qual for o motivo, nota-se uma possível dificuldade da Autoridade em se impor perante o resto do poder público. Além disso, vale notar que muitos processos sancionatórios devem já ter sido encerrados preliminarmente na autarquia pelo simples fato de os investigados terem atendido às solicitações da ANPD, e que por isso até aqui foram revelados apenas oito casos.

Em segundo lugar, percebe-se que a ANPD não tem medo do poder público. Dos oito processos em andamento, apenas um envolve um agente privado, a Telekall, e os demais sete dizem respeito a instituições públicas. No início muito se discutia sobre quais seriam as obrigações do poder público diante da LGPD e se haveria alguma espécie de aplicação diferenciada para esses órgãos. Também havia o receio de que o poder público estaria fora da mira da ANPD e que a Autoridade seria menos rigorosa com o setor. A ANPD mostrou com suas ações que esse não é o caso –. a Autoridade não vai deixar de cobrar do poder público que se adeque à LGPD.

Em terceiro e último lugar, é preciso lembrar que a publicidade de um processo já tem efeito de sanção. De fato, há o entendimento de que a divulgação do processo não se confunde com a sanção de publicização, e definitivamente não são a mesma coisa. Falar que fulano é réu é muito diferente de falar que fulano foi condenado; mas ainda assim nenhuma pessoa em sã consciência vai querer para si qualquer desses cenários. Como é sabido, apenas a divulgação de que se sofre um processo pode trazer danos reputacionais relevantes. Vide o caso da Telekall, por exemplo. Talvez o nome dessa empresa nunca tenha sido tão falado pelo Brasil como tem sido na última semana, e isso tem acontecido por meio de notícias negativas.

Em suma, essa primeira leva de processos divulgada já dá alguma ideia de como será a atuação da ANPD de agora em diante. Já se vê, por exemplo, que se a Autoridade te notificar é melhor responder, porque ela não vai “pegar leve”, seja com o próprio poder público ou com quem for. Assim, é melhor resolver qualquer questão com a ANPD antes disso virar um processo. Afinal, ninguém quer estar numa lista de reflexos tão negativos divulgada para o Brasil todo.

 

 

Rafael Edelmann Baptista

Rafael Edelmann Baptista é advogado especializado em Compliance e Regulação Financeira. Graduado, mestre e doutorando em direito na Universidade de São Paulo, com pesquisas relacionadas à regulação bancária e a crises financeiras. Profissionalmente, além de avogado, já atuou com Compliance e Assuntos Regulatórios em startups nos setores de investimentos, criptoativos e serviços financeiros.