Nos últimos anos, houve um aumento exponencial do número de investidores não-institucionais no mercado de capitais e, em especial, na B3 – bolsa de valores oficial do Brasil – onde, segundo dados divulgados, o número de investidores não-institucionais saltou de 1 milhão, em maio de 2019, para quase 3.2 milhões, em novembro de 2020.
O aumento do número de investidores não-institucionais na bolsa de valores foi acompanhado pela ascensão dos Agentes Autônomos de Investimento (AAI), que têm sua atividade definida e regulamentada pela Resolução CVM n.º 16/2021. Segundo o art. 1º da Resolução CMV n.º 16/2021, o AAI atua na “prospecção e captação de clientes” (inciso I), na “recepção e registro de ordens e transmissão dessas ordens para os sistemas de negociação ou de registro cabíveis, na forma da regulamentação em vigor” (inciso II) e na “prestação de informações sobre os produtos oferecidos e sobre os serviços prestados pela instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários pela qual tenha sido contratado” (inciso III). Em síntese, é o AAI que faz a mediação entre os investidores não-institucionais e o mercado de capitais, oferecendo, para tanto, um serviço que se assemelha à corretagem, consistente em uma atividade de caráter informativo e comercial.
Devido à relativa novidade desse mercado e da profissão, as balizas para a fixação da responsabilidade civil dos AAIs ainda são pouco exploradas na legislação pátria, carecendo de sistematização. Na ausência de normas específicas, a responsabilidade civil do Agente Autônomo de Investimento deve ser analisada à luz das disposições do Código Civil (artigos 186 e 927).
Via de regra, pode-se afirmar que o AAI não responde pelas perdas financeiras e lucros cessantes decorrentes dos investimentos ruinosos do cliente, desde que tenha atuado dentro dos limites das suas atribuições. O risco é um elemento inerente à atividade econômica e ao investimento no mercado de capitais. Em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (nº 0050525-39.2013.8.21.9000) restou consignado que, ausente a demonstração de culpa grave do Agente Autônomo no desempenho de suas atividades, ocasionando a perda do capital investido, o investidor não faz jus a indenização por danos morais e materiais, sob a alegação de que “não se pode esperar garantia alguma de retorno do capital investido no mercado de futuros e de renda variável”. O mesmo raciocínio já foi aplicado pelo Poder Judiciário em outras ocasiões (TJMT, nº 0045973-52.2012.8.11.0041).
Para que reste configurada a responsabilidade civil do AAI, devem estar presentes: (i) ato ilícito; (ii) nexo de causalidade; e (iii) os prejuízos, sejam eles danos emergentes ou lucros cessantes. Gradualmente, o Poder Judiciário, a partir de casos concretos, vem fixando balizas e identificando hipóteses de responsabilidade dos AAIs por prejuízos causados ao investidor. É possível identificar condenações, por exemplo, na hipótese em que o investidor sofreu prejuízos por operações realizadas sem a sua autorização expressa (TJBA, nº 0501571-09.2015.8.05.0001). Considerando que, nessa hipótese, a produção da prova necessária pode ser de difícil produção, é possível que haja, até mesmo, a inversão do ônus probatório para que o AAI seja compelido a comprovar a anuência do investidor com relação à operação questionada (TJRS, nº 0088057-91.2017.8.21.7000).
Em termos gerais, pode-se afirmar que os Agentes Autônomos de Investimento “não podem extrapolar as atividades a eles permitidas. As normas atualmente em vigor proibem aos agentes: atuar em nome do cliente, como administradores de carteiras; dar recomendações sobre produtos, como analistas de valores mobiliários; e atuar como consultores de valores mobiliários.”[1] Também poderão ensejar a responsabilidade do AAI o repasse de informações falsas ao investidor, a realização de operações sem autorização e atuação em conflito de interesses.
Dessa forma, o atual arcabouço jurídico permite concluir que o AAI não responde pelas perdas incorridas pelo investidor em investimentos malsucedidos, desde que tenha atuado dentro dos limites fixados pela Resolução CVM n.º 16/2021, respeitando os seus deveres e atribuições. No mercado de capitais, é natural que o investidor incorra em prejuízos ao optar por determinados investimentos, devido à consumação do risco presente na atividade econômica. Assim, o que deve ser analisado não é o resultado do investimento, mas sim o processo de tomada de decisão.
[1] https://www.investidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/sistema_distribuicao/Agentes_autonomos.html