O Governo Federal apresentou, no último dia 25/06, ao Congresso Nacional, a segunda fase do seu projeto de Reforma Tributária. A primeira parte do projeto, apresentada em julho de 2020, pretende unificar o PIS e a COFINS em uma única contribuição não cumulativa, a ser chamada Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS, com alíquota fixa de 12%.
Essa segunda fase trata de mudanças no imposto de renda, trazendo, sob o nome de “benefício”, a atualização da tabela progressiva do imposto de renda das pessoas físicas, em contrapartida à um real incremento do custo tributário do empreendedorismo no pais, bem como substanciais alterações na tributação de operações societárias e no mercado financeiro.
Em relação ao Imposto de renda pessoa física a proposta atualiza a tabela progressiva do imposto, ampliando a faixa de isenção para o limite de R$ 2.500,00. Por outro lado, restringe o desconto automático da declaração simplificada às pessoas que recebem até R$ 40 mil por ano e acaba com a isenção dos lucros e dividendos, estabelecendo uma alíquota de 20%, com isenção apenas para microempresas e empresas de pequeno porte em pagamentos de até R$ 20 mil por mês.
Haverá ainda a possibilidade de atualização dos bens, regularmente, na declaração de imposto de renda, o que hoje não é permitido. No projeto, a atualização dos bens será tributada em apenas 5% de imposto sobre a diferença, realmente muito menos que atualmente, haja vista que a alíquota varia entre 15 e 22,5%, a depender do ganho.
Já no tocante ao imposto de renda pessoa jurídica o projeto prevê uma redução da alíquota de 15% para 12,5% em 2022 e 10% a partir de 2023, mantendo-se o adicional de 10% para lucros auferidos acima de R$ 20 mil por mês, sem mexer também na alíquota da CSLL.
Na contraparte à redução da alíquota do IR, há vedação à dedução dos pagamentos de gratificações e participação nos resultados aos sócios e dirigentes feitos com ações da empresa; fim da possibilidade de dedução dos juros sobre capital próprio; impedimento ao aproveitamento de deduções na venda de participações societárias e criação de novas regras para apuração do ganho de capital na venda de participações societárias.
Além disso, todas as empresas passam a ser obrigadas a apurar trimestralmente o IRPJ e a CSLL. Hoje, há duas opções: trimestral e anual. Também será permitido compensar 100% do prejuízo fiscal de um trimestre nos três seguintes, havendo ainda uma aproximação das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Em termos procedimentais, passa ainda a ser obrigatório o lucro real para empresas que explorem as atividades de securitização de créditos; cuja receita bruta no ano-calendário anterior, decorrente de royalties ou de administração, aluguel ou compra e venda de imóveis próprios, represente mais de 50% da receita bruta do mesmo ano; e que tenha como atividade ou objeto principal a exploração de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz.
Por fim, há também mudanças na tributação de investimentos. A proposta estabelece alíquota única de 15% e apuração trimestral para todas as operações em bolsa de valores; prevê alíquota única de 15% para todos os ativos de renda fixa, fundos abertos e fundos fechados e acaba com a isenção dos rendimentos distribuídos a pessoas físicas por fundos de investimento imobiliário com cotas negociadas em bolsa a partir de 2022. No caso de fundos abertos, o governo propõe o fim do sistema de “come-cotas” em maio. Os fundos fechados (multimercados) exclusivos passarão a pagar a mesma tributação que os demais, sendo ainda obrigados a tributar o estoque acumulado de ganhos.
No que se refere às pessoas físicas, o aumento da faixa de isenção do imposto de renda, bem como a atualização das faixas de pagamento pode parecer um benefício, mas na verdade constitui-se como uma simples correção da tabela, que está defasada há anos. A atualização proposta sequer contempla toda a defasagem, pois se computada a atualização real da tabela, de acordo com a inflação, o valor de isenção chegaria perto de R$ 5.000,00.
Da mesma forma, as alterações no pagamento do IR sobre o ganho de capital parecem ser vantajosas, mas em realidade podem acabar implicando em pagamento do imposto sobre valorização inexistente. Se o contribuinte opta por atualizar regularmente o valor de seu bem, pagando o imposto sobre essa valorização, mas no futuro vende o bem por valor inferior àquele “atualizado” na declaração de IR, acabará pagando imposto sobre um ganho inexistente. A opção pela nova sistemática, que será obrigatória, deve ser muito bem avaliada no caso concreto.
A volta da tributação dos dividendos, questão das mais controversas na atualidade, veio com alíquota superior àquela prevista, que era de 15%. Desde 2006 os lucros distribuídos aos sócios, pelas empresas, está livre do imposto de renda, mas agora, no projeto, voltariam a ser tributados, e à alíquota de 20%.
A tributação dos dividendos pode ser interessante em termos econômicos, funcionando como um incentivo para a expansão das empresas. O Brasil, inclusive, é um dos únicos países do mundo que não tributa os dividendos. Todavia, a volta desta incidência sem uma maior contrapartida de redução de impostos sobre as empresas e, sobretudo a folha de salários, deve impactar negativamente a economia.
Na prática, no cenário atual brasileiro, essa tributação não significa, como muitos querem crer, a volta da tributação “dos ricos donos de empresas”, mas sim aumento efetivo da carga tributária sobre as empresas, sobre o empreendedorismo nacional. Observe-se que, na prática, investidores pagarão 15% de imposto de renda, assalariados, até 27,5%, enquanto empreendedores, 49%! E isso, sem contar o PIS e a COFINS, ou CBS, caso haja realmente uma unificação das contribuições, que incidem sobre o faturamento, antes do Imposto de Renda.
E nem que se diga que a isenção para micro e pequenas empresas tornará a cobrança mais acertada. Ora, a isenção só vale para os sócios de empresas que faturam até 4,8 milhões ao ano e acaba desestimulando o crescimento das mesmas. Qual empreendedor buscará o crescimento de seu negócio quando, após ultrapassar determinado valor de faturamento, terá que repassar mais 20% de seu lucro ao governo? De mais a mais, a isenção proposta deixa de fora inúmeros empreendedores, especialmente prestadores de serviço que já lutam pela sobrevivência de seus negócios, e terão agora mais um desestimulo à formação de sociedades e empresas, haja vista que a tributação sobre seu trabalho, na pessoa física será infinitamente mais vantajosa.
Já para as pessoas jurídicas, a redução da alíquota do IRPJ é benéfica, sem dúvidas. Contudo, mesmo com a redução de 15%, para 10% (a partir de 2023), o fim de algumas deduções sobre o IR e a alíquota da CBS, que deve substituir o PIS e a COFINS, em 12%, acabará implicando em aumento brutal da carga tributária das empresas.
E tal como a tabela do imposto de renda pessoa física, o valor base do lucro sobre o qual incide o adicional do imposto de renda da pessoa jurídica não é atualizado e encontra-se muito defasado A alíquota adicional de 10% é aplicada sobre o valor do lucro superior a R$ 20.000,00/mês, ou R$ 240.000,00/ano. Se este valor fosse atualizado pela inflação, o valor base aproximado seria de R$ 45.000,00/mês ou R$ 540.000,00/ano.
Por fim, as mudanças na tributação dos investimentos são realmente benéficas em termos de simplificação, mas no que se refere à tributação de alguns fundos podem impactar negativamente o mercado, implicando em fuga de capitais.
Mais uma vez, o projeto de “reforma” não enche os olhos da sociedade, sendo mais um remendo ao sistema. Os benefícios, tão anunciados pelo Governo, são meras atualizações de valores e não implicam em efetiva redução da carga, seja para as pessoas físicas ou jurídicas, acarretando, na verdade, em aumento real e significativo da tributação, em várias circunstancias.