INÍCIO DAS REFORMAS FISCAIS: GOVERNO FEDERAL ALTERA TRIBUTAÇÃO DE RENDIMENTOS AUFERIDOS NO EXTERIOR.

Foi publicada, no último feriado do dia do Trabalhador, de forma bastante inesperada, a Medida Provisória n° 1.171/2023, alterando substancialmente as regras para tributação de ativos detidos no exterior, por residentes brasileiros.

A norma trata de todos os tipos de investimentos em ativos de renda fixa,  variável, derivativos e cotas de fundos de investimentos, sendo aplicável, contudo, apenas sobre os rendimentos auferidos a partir de 01 de janeiro de 2024.

A MP, não trata, por outro lado, da alienação (venda ou resgate) de bens ou direitos adquiridos no exterior que não sejam tratados como aplicação financeira, nos termos da norma, como a venda de um imóvel detido pela pessoa física, por exemplo.

Com a medida, o governo tenta ampliar a receita fiscal com os residentes que têm dinheiro fora do Brasil, inclusive em paraísos fiscais. Segundo o Ministério da Fazenda, as medidas anunciadas devem resultar na arrecadação de R$ 3,25 bilhões ainda em 2023, de R$ 3,59 bilhões em 2024 e de R$ 6,75 bilhões em 2025.

O projeto visa compensar a perda arrecadatória com o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física. Pela nova regra, ficam isentos do IRPF os trabalhadores que recebem até R$ 2.640,00 por mês. Os novos valores da isenção passam a vigorar a partir do mês de maio do ano-calendário de 2023.

Algumas das medidas eram, de certa maneira, até esperadas. Foram tentadas no passado recente, mas por falta de articulação política, não foram implementadas. Isso, na medida em que a maior parte dos rendimentos auferidos no exterior, por brasileiros residentes no Brasil, só eram tributados quando vinham para o país, o que deixava de fora grande parte dos valores – que nunca eram nacionalizados. Na prática, a tributação nunca ocorria no Brasil.

A nova norma busca, além de aumentar a arrecadação, promover a unificação das alíquotas aplicadas aos investimentos realizados no exterior de forma direta, por pessoas físicas, ou por meio de entidades controladas por estas, sejam elas empresas offshore ou trusts.

A unificação das alíquotas é, de certa forma, positiva para os contribuintes, que atualmente estão sujeitos a alíquotas diferenciadas para juros, dividendos, ganhos de capital, entre outros. A unificação diminui as dificuldades na apuração do imposto de renda.

Todavia, em alguns casos, a unificação implicou em uma elevação substancial da carga. As vendas de ações detidas no exterior, por exemplo, até então sujeitas ao imposto de renda conforme a tabela progressiva incidente sobre o ganho de capital, passam à nova regra. Assim, qualquer rendimento anual superior a R$50.000,00 será tributado à alíquota de 22,5%, quando até então, só alcançavam esta alíquota os ganhos superiores a R$30.000.000,00.

No caso específico do trust, a regulação também tem seu caráter positivo. Não obstante a normatização das incidências tributárias, a definição legal das figuras centrais da estrutura (trust, instituidor, administrador, beneficiário etc.), é extremamente benvinda.

A utilização destas estruturas, que até então não tinham qualquer base normativa no país, já é bastante recorrente no planejamento patrimonial dos brasileiros. E isso, não com foco apenas em eventual redução da carga tributária, mas em razão da necessidade de governança e maior liberdade na escolha dos investimentos. A falta de regulação vinha acarretando em enorme insegurança jurídica e interpretações conflitantes dentro da própria Receita Federal.

De qualquer forma, a questão da tributação de ativos no exterior é bastante complexa, pois envolve a aplicação de tratados internacionais contra dupla tributação (atualmente o Brasil é signatário de quase 40 tratados contra bitributação), o momento da disponibilidade da renda, dentre outras questões jurídicas complicadoras das exigências fiscais.

Além do mais, envolve grande controvérsia financeira e política. A tributação dos ativos de residentes no Brasil, mantidos no exterior, implica na indução de planejamentos fiscais mais elaborados, especialmente pelos detentores de grandes quantias no exterior, bem como a própria alteração de residência fiscal destes agentes.

É fato, as maiores fortunas são exatamente aquelas que têm possibilidades financeiras para alteração de residência fiscal sem grandes impactos em seu dia a dia. Por outro lado, a perda de arrecadação, com estas possíveis realocações de residência, pode ser extremamente danosa ao país, em momento de grave crise financeira e fiscal.

Vale destacar ainda que, o investimento no exterior vem ganhando cada vez mais adeptos, independentemente do cenário econômico ou valor do capital, como estratégia de diversificação e associação de parte do patrimônio a uma moeda forte. Com a tributação mais elevada, parte destes investimentos pode ser realocada, ou simplesmente suprimida.

Abaixo, confiram-se as principais mudanças:

  • As pessoas físicas precisarão computar de forma separada os rendimentos do capital aplicado fora do país, a partir de 1º de janeiro de 2024.
  • Para rendimentos anuais entre 6 mil e 50 mil reais, a alíquota será de 15%, e, para parcela acima de 50 mil, será de 22,5%. A atual faixa
    de isenção, de R$35 mil em rendimentos por mês, passa, portanto, para R$6 mil anuais (ou R$500 por mês).
  • Os ativos afetados são os seguintes:

1. APLICAÇÕES FINANCEIRAS: Depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias em não controladas.

  • Por rendimentos, entende-se a remuneração produzida pelas aplicações financeiras, incluindo, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior.
  •  A tributação se dará no período de apuração em que forem efetivamente percebidos (resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação), não havendo compensação entre ganhos e perdas, como ocorre em investimentos realizados no Brasil.

2. CONTROLADAS: Sociedades e demais entidades, personificadas ou não, incluindo fundos de investimento e fundações, sediadas em paraísos fiscais ou que apurem renda passiva superior a 20% da renda total.

  • Poderá haver compensação de prejuízos dentro desse mesmo período.
  •  A tributação se dará em 31 de dezembro de cada ano, sem qualquer diferimento, mas alcançando apenas lucros gerados a partir de 01/01/2024 (não há tributação do estoque).

3. TRUSTS: Bens e direitos permanecem sob titularidade do instituidor após a instituição do trust e passam à titularidade do beneficiário no momento da distribuição pelo trust para o beneficiário ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro.

  • Os rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto do trust auferidos a partir de 1º de janeiro de 2024 serão considerados auferidos pelo titular de tais bens e direitos na respectiva data e submetidos à incidência do IRPF segundo as regras aplicáveis ao titular.
  • As distribuições realizadas pela estrutura devem ser consideradas doação, quando ocorrerem em vida, ou causa mortis, na sucessão, e estão sujeitas a tributação.

Na Medida Provisória o governo está ainda oferendo um “desconto” para aqueles que optarem por atualizar os valores dos bens e direitos detidos no exterior em 31/12/2022. Esses saldos poderão ser atualizados por valor de mercado em 31/12/2022, e o eventual ganho de capital em relação ao custo de aquisição, será tributado à alíquota de 10%. Neste caso, o imposto deve ser pago até 30 de novembro deste ano de 2023 e o contribuinte poderá escolher quais bens e direitos quer atualizar.

Tendo em vista tratar-se de uma opção, é importante que aqueles sujeitos à possibilidade realizem uma avaliação dos bens, em alinhamento ao planejamento patrimonial, para melhor instrumentalizar a decisão.

Por fim, a MP revoga ainda a apuração dos ganhos de capital na alienação de bens e direitos e da liquidação ou resgate de aplicações financeiras, de propriedade de pessoa física no exterior, de acordo com a origem dos recursos aplicados.

Vale ressaltar que várias disposições da nova norma poderão ser questionadas na justiça, como por exemplo investimentos específicos em países com os quais o Brasil tem acordo contra dupla tributação, o momento da incidência do imposto de renda, no caso da exigência do pagamento sobre lucro meramente apurado em balanço, mas não distribuído, distorção entre a alíquota média de investimentos no Brasil, que é de 15% (após 2 anos de aplicação), em relação à alíquota média sobre investimentos no exterior, que será de 22,5%, etc.

Ainda em se falando da provisoriedade na aplicação das novas regras, destaque-se que a norma foi implementada via medida provisória, o que também é extremamente controverso.

O STF já validou a utilização de Medidas Provisórias para assuntos tributários, mas a sua utilização deveria se restringir a matérias urgentes, como determinado constitucionalmente. Os pontos alterados deveriam ser objeto de maior debate político, mais interlocução com a sociedade e entidades representantes dos contribuintes, visando inclusive uma redução na judicialização de alguns pontos.

De qualquer forma, a MP entra em vigor imediatamente, com força de lei, mas precisa ser aprovada pelo Congresso, em até 120 dias de sua publicação, antes de ser convertida definitivamente em Lei; caso contrário, perderá validade.

É muito provável, de toda forma, que o texto sofra alterações, acaso seja efetivamente convertido em lei assim, mudanças ou medidas abruptas nos investimentos detidos no exterior não são recomendas.

E ainda que a medida encareça o investimento no exterior, como de fato o faz, a diversificação internacional ainda faz sentido. As análises, portanto, devem ser realizadas no caso concreto de cada investidor, sendo importante que os advogados e consultores financeiros sejam consultados sobre possíveis estratégias para a mitigação dos impactos financeiros da nova norma.

Maria Carolina Torres Sampaio

Maria Carolina Torres Sampaio