Aguarda publicação uma Medida Provisória (MP) que visa ampliar o acesso de pessoas físicas e jurídicas a empréstimos com juros mais baixos, sendo um dos seus objetivos a liberação de mais de 10 trilhões de reais como garantia de crédito imobiliário. A MP foi elaborada pelo Ministério da Economia, em discussões com o Banco Central e profissionais integrantes da Iniciativa de Mercado de Capitais (IMK), e encontra-se em análise técnica e jurídica na Casa Civil.
No Brasil, o imóvel oferecido como garantia só pode ser usado em uma única operação – não sendo possível usar um mesmo bem como garantia em bancos diferentes – e a ampliação de crédito com base na garantia do mesmo imóvel só pode ser concedida pelo banco que concedeu o primeiro empréstimo. Apenas a Caixa Econômica Federal possui mecanismo próprio para a gestão de imóveis alienados, processo terceirizado por outros bancos que atuam no setor. O Banco Central e o Ministério da Economia tentam flexibilizar o processo há algum tempo.
A MP visa criar as Centrais Gestoras de Garantia (CGG), definidas “como pessoa jurídica de direito privado autorizada a realizar serviço de gestão centralizada de garantias, possuindo como objetivo principal facilitar a constituição, a utilização, a gestão, a complementação e o compartilhamento de garantias utilizadas para operações de crédito e de financiamento contratadas junto a uma ou mais instituições financeiras por pessoas naturais ou jurídicas”. Ou seja, farão a gestão das garantias, bem como do “saldo” que seus detentores podem tomar em novos empréstimos. A informação fornecida pela CGG poderá ser usada por qualquer banco associado, não havendo exclusividade do banco que tenha concedido o financiamento inicial.
No modelo desenhado, o interessado contrata com a CGG a gestão de determinada(s) garantia(s), mediante instrumento próprio (Instrumento de gestão centralizada – IGC), visando a obtenção futura de créditos no mercado financeiro. A garantia é levada, assim, autônoma e abstrata, a registro público. Na sequência, as instituições financeiras, ao concederem o mútuo ao interessado, vinculam o crédito àquela garantia. É uma espécie de “garantia guarda-sol”, que abrange toda operação de crédito contratada por uma pessoa física ou jurídica, até o valor do teto. É como se o imóvel fosse fatiado em várias operações e, ao invés de uma única dívida, serão várias atreladas à mesma garantia.
Dados do Banco Central do Brasil permitem identificar que os empréstimos imobiliários somam cerca de 600 bilhões de reais, todavia, o valor dos imóveis em poder de pessoas físicas – apenas nas 27 capitais e sem contar as aqueles que estão em poder de Pessoas Jurídicas – correspondem a cerca de R$10 trilhões. A diferença entre as cifras apresentadas indica o enorme potencial de liberação de capitais no mercado, uma vez flexibilizadas as garantias.
As oportunidades trazidas pela implementação da CGG são enormes, uma vez que, em conformidade com a legislação atual, os bens oferecidos em garantia ficam travados até que seja quitado o débito, o que implica em uma fuga de empresas da modalidade do crédito imobiliário. Nesse sentido, a CGG funcionará, também, para conceder créditos a empresas, proporcionando as mesmas vantagens já citadas, o que representa uma grande oportunidade de crédito a juros mais baixos do que geralmente se encontra em linhas de financiamento que não possuem garantia real.
Atualmente, uma possível valorização de imóveis financiados não é levada em conta pela instituição que concedeu o financiamento, isso significa que os valores acrescidos pela valorização, assim como os valores já quitados, não podem ser oferecidos como garantia para uma nova operação até que todo o financiamento seja quitado. Com a publicação da MP, o uso do patrimônio como garantia será otimizado, sendo possível atualizar no cartório o valor do imóvel e utilizar o valor excedente como garantia para uma nova operação.
É importante destacar que, no contexto atual da pandemia do COVID-19, tem sido comum verificar pessoas que se veem obrigadas a sacar recursos já liberados de aplicações em fundos de previdência fechados, com o intuito de saldar dívidas. A MP propõe que recursos de fundos de pensão que já estejam liberados para saque possam ser oferecidos como garantia para um empréstimo, ainda que continuem mantidos aplicados.
Por fim, a MP busca facilitar a execução extrajudicial de hipotecas, tornando-a mais semelhante à alienação fiduciária, uma vez que o mercado deixou de oferecer hipotecas diante da dificuldade de tomada dos bens hipotecados em caso de inadimplência.
No ano passado, foi publicada a Medida Provisória 992, que perdeu eficácia por não ter sido votada no prazo de 120 dias e continha instrumentos semelhantes aos que estão contidos na nova MP. O texto autorizava o uso de um imóvel já financiado como garantia para um novo empréstimo. Usando um imóvel como garantia, as condições dos empréstimos serão melhores, com taxas de juros mais baixas, por exemplo. Embora a MP 992/2020 tenha caducado, os efeitos dos contratos firmados durante a vigência da MP permanecem válidos.
Diante da edição da nova MP, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), que representa os Oficiais de Registro de Imóveis, emitiu uma Nota Técnica destacando alguns pontos de atenção relativos à criação das Centrais Gestoras de Garantias.
Em sua nota, o IRIB destacou a ausência de previsão quanto à regulação tarifária das Centrais e apontou o fato de compreenderem um órgão estritamente privado, com finalidade de lucro, cujos limites, forma de atuação, constituição de capital, gestão e custeio a MP não explicita. Alegou que as garantias geridas não teriam substância obrigacional originária e nem participação de instituição financeira credora, reduzindo a segurança jurídica e o controle de legalidade realizada pelos registros públicos, temendo pela desregulamentação do sistema de crédito. Por fim, alertou que a flexibilização do controle e registro de garantias imobiliárias, com outorga à instituições privadas, pretendendo reduzir custos e conquistar agilidade, foi um dos fatores que deflagrou a crise de 2008.
Além dos pontos destacados pelo IRIB, vale ressaltar o perigo de endividamento e perda de imóveis pelos brasileiros que já se encontram endividados, diante da possibilidade de adquirir ainda mais empréstimos oferecendo suas moradias como garantia com o “home equity”.
Contudo, considerando-se o cenário da economia, que sofre as consequências da pandemia do COVID-19, a ampliação do “home equity” se apresenta como um incentivo para o crescimento e aquecimento econômico que pode beneficiar a todos, inclusive empresas, que são geradoras de emprego e, portanto, de renda. Em 2019, a carteira de crédito imobiliário correspondia a 9,3% do PIB brasileiro, ao passo que essa porcentagem é de 53% nos Estados Unidos, 66% no Reino Unido e 72% no Canadá.
Ademais, as práticas de Open banking e de interoperabilidade de dados, viabilizadas pela MP editada, injetam dinheiro na economia e reduzem a taxa de juros a longo prazo. A entrada de novos bancos no setor de crédito imobiliário aumenta a competitividade, movimenta o mercado e promove oportunidades para os beneficiários dos serviços.
REFERÊNCIAS:
https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/03/24/nova-mp-pode-destravar-r-10-tri-em-garantia-de-credito.ghtml
https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/irib-divulga-nota-tecnica-02-2021
https://oglobo.globo.com/economia/sem-acordo-na-camara-mp-que-permite-uso-de-imovel-ja-financiado-como-garantia-perde-validade-nesta-sexta-feira-24743514