Os Impactos da Promulgação da Lei 13.792/2019 para as Sociedades Limitadas

  1. Mudanças trazidas pela nova Lei

A Lei 13.792, publicada em 04 de janeiro de 2019, alterou artigos do Código Civil que dispõem sobre duas temáticas concernentes às sociedades limitadas, (1.1) o quórum para destituir administradores que sejam, também, sócios e (1.2) o procedimento de exclusão por justa causa das sociedades limitadas compostas por apenas dois sócios.

O intuito das modificações foi simplificar os procedimentos concernentes às sociedades limitadas, que atualmente constituem a ampla maioria das empresas[1] operantes no Brasil.

Ambas as alterações têm dividido opiniões de juristas e advogados especializados na área, por isso, recomenda-se cautela e atenção àqueles que optaram por esta modalidade societária.

  • Alteração do quórum de deliberação nas empresas de sociedades limitadas

O parágrafo primeiro do artigo 1.063 do Código Civil previa, anteriormente à vigência da Lei, o quórum de 2/3 (dois terços) do capital social para que se operasse a destituição do sócio que fora nomeado administrador no contrato social. Este quórum, de maioria qualificada, diferia da regra geral de destituição dos administradores, que estabelece a necessidade de votos por sócios detentores de mais de 50% (cinquenta por cento) do capital social.

Em contrapartida, nos termos da nova legislação, retirou-se a exceção anteriormente vigente para as sociedades limitadas; ou seja, nos termos da nova Lei, para destituir o sócio nomeado administrador no contrato social necessita-se de apenas da anuência da maioria do capital social.

A mudança traz maior uniformidade aos quóruns deliberativos de destituição dos administradores das empresas que optaram por esse tipo societário, vide a substituição da maioria qualificada (dois terços do capital social) pela regra geral da maioria simples.

  • Modificação da regra de exclusão de sócio por falta grave nas sociedades limitadas

O parágrafo único do art. 1.085, que trata do procedimento de exclusão extrajudicial de sócio acusado de cometer falta grave mediante alteração no contrato social também sofreu modificações, retirando exceção anteriormente vigente a respeito das sociedades limitadas que possuem apenas dois sócios.

A mudança, embora aparentemente inofensiva, gera importantes consequências jurídicas às empresas compostas por dois sócios, que, segundo estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas[2], respondem por 85,70% do total das sociedades limitadas existentes no Brasil.

O artigo 1.085 elenca quatro requisitos que devem ser cumpridos cumulativamente a fim de que se opere a exclusão por justa causa, quais sejam, (i) a previsão, no contrato social, da possibilidade de exclusão de sócio por falta grave (ii) o respeito ao quórum deliberativo de mais de 50% do capital social, (iii) que o sócio alvo da exclusão esteja colocando em risco a continuidade da empresa em virtude da prática de atos de inegável gravidade, e, por fim – no parágrafo único – (iv) o condicionamento da exclusão do sócio à realização de reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim.

A exigência constante no parágrafo único tem por objetivo oportunizar ao sócio acusado o exercício de seu direito de defesa e o tempo hábil necessário para tal, em atenção às previsões constitucionais de ampla defesa e de respeito ao contraditório.

Ocorre que, em virtude da entrada em vigor da Lei 13.792/2019, a redação do parágrafo foi alterada para assim constar:

Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

 

A ressalva feita pelo legislador, embora pareça atrativa do ponto de vista de facilitação do procedimento – evita-se a realização de atos formais e dispendiosos para registrar algo que já é do conhecimento dos consócios – é arriscada da perspectiva do sócio minoritário, gerando dúvidas acerca da aplicação prática do instituto.

Surgem, diante da inexatidão do texto legal, duas interpretações possíveis para a exceção feita às sociedades limitadas que tenham apenas dois sócios; a primeira, menos provável em face da ausência de modificação do caput do artigo 1.085, seria a eliminação da possibilidade de excluir extrajudicialmente um dos dois sócios da sociedade limitada.

A segunda, que parece refletir melhor a intenção do legislador, visou exclusivamente a diminuição da burocracia em torno do procedimento de exclusão para empresas compostas por dois sócios, vez que, em virtude da alteração legislativa, para que o sócio majoritário exclua o minoritário do quadro societário, basta que seja promovida a alteração no contrato social, apresentando o documento que comprove o preenchimento dos requisitos supramencionados perante o órgão registral.

A nova Lei, embora bem-intencionada ao privilegiar o princípio da celeridade, pode acarretar em graves consequências jurídicas ao permitir a exclusão extrajudicial, pelo consócio, sem que o excluindo receba qualquer comunicado prévio ou oportunidade de contestação da decisão. No campo teórico, a medida que tem ares de desburocratização pode, em realidade, elevar o número de litígios diante de exclusões arbitrárias dos sócios minoritários.

  1. Curso de ação

É sabido que o complexo processo de elaboração de normas no país não é visto, em regra, como sinônimo de produção legislativa profícua e destinada à otimização do funcionamento das instituições brasileiras. Ocasionalmente faltam às leis aplicação prática e funcionalidade, consequências decorrentes de textos legais imprecisos, que geram insegurança jurídica aos sujeitos por elas afetados.

Diante deste cenário, é aconselhável que empresários contem com assessoria jurídica especializada e capaz de oferecer apoio ao negócio e aos empreendedores, de maneira que modificações como as trazidas pela Lei 13.792/19 não configurem empecilho ao bom funcionamento das empresas.

O GVM | Guimarães e Vieira de Mello Advogados atua direta e incisivamente na área empresarial e societária, contando com equipe de profissionais experiente e apta a prestar auxílio jurídico personalizado a empresários e empreendedores de todos os tipos societários.

[1] Desconsiderados os empresários individuais. Dados retirados do sítio eletrônico: <https://www.empresometro.com.br/Home/Estatisticas>

[2] Estudo confeccionado pela Fundação Getúlio Vargas intitulado “Radiografia das sociedades limitadas”. Disponível em: <https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/anexos/radiografia_das_ltdas_v5.pdf>

 

Laura Cançado Maakaroun é estudante do oitavo período de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e estagiária do Escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados, atuando na área de contencioso cível estratégico. Possui inglês fluente e italiano intermediário. E-mail: lcancado@gvmadvogados.com.br

Helder Felipe Fonseca Damasceno é Head nas áreas de Direito Corporativo, Societário e M&A do Escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados. Coordenador de operações de planejamento sucessório/tributário, reestruturações societárias, compliance societário, Project Finance, litígios societários, Merger & Acquisitions e new business development. Palestrante no evento “I Fórum de Direito Empresarial em Energia”, sobre o tema “Funding para novos projetos e recuperação de empresas em risco”.  E-mail: hfonseca@gvmadvogados.com.br