COVID-19 nas Relações Trabalhistas – As Medidas Previstas na Própria CLT (Arts. 486 E 503) para Combater os Efeitos da Pandemia

Em artigos anteriores, foram destacadas as medidas previstas na Lei n.º 13.979/20 e na MP (Medida Provisória) nº. 927/20 para que os empregadores possam buscar minimizar os efeitos nefastos da crise de emergência de saúde pública causada pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19).

 

Mas além da atual possibilidade de suspensão temporária da exigibilidade de recolhimento do FGTS, que possibilita que a empresa tenha uma “folga” temporária de caixa, a própria CLT, em seus artigos 486 e 503, apresenta outras medidas que podem ser tomadas nesse sentido.

 

Quanto ao art. 503, da CLT, in verbis:

“Art. 503 – É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.

Parágrafo único – Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.”

 

Pelo que se observa pelo texto do artigo citado acima, a empresa pode, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, proceder com a redução geral dos salários de seus empregados, proporcionalmente aos salários de cada um, em no máximo 25% (vinte e cinco por cento).

 

E, quanto a força maior e ao caso fortuito, dispostos nos arts. 501[1], da CLT e 393, do CPC, é exatamente o que ocorre no caso das medidas de prevenção contra o novo coronavírus (COVID-19), que foram determinadas pelo Estado, afetando por consequência, o faturamento da empresa e o devido cumprimento de suas obrigações, bem como os prejuízos comprovados.

 

Quanto ao art. 486, da CLT, in verbis:

“Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

  • 1º – Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria.
  • 2º – Sempre que a parte interessada, firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de 3 (três) dias, falar sobre essa alegação.
  • 3º – Verificada qual a autoridade responsável, a Junta de Conciliação ou Juiz dar-se-á por incompetente, remetendo os autos ao Juiz Privativo da Fazenda, perante o qual correrá o feito nos termos previstos no processo comum.”

 

Pelo que se observa pelo texto do artigo citado acima, em caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato das autoridades descritas ou por promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuidade da atividade, prevalecerá a indenização, que ficará a cargo do Governo responsável.

 

Tal disposição e sua aplicação devem ser analisadas com ampla cautela pelo empregador e sua assessoria jurídica especializada, principalmente pela atual situação trazida pelo novo coronavírus (COVID-19), e ante a mínima utilização do instrumento descrito no artigo pela Justiça de Trabalho.

 

Há entendimentos extensivos sobre o disposto no art. 486, da CLT, conforme dito por Eduardo Gabriel Saad na Consolidação das Leis do Trabalho comentada[2], dispondo que o Estado fica responsável pelo pagamento dos salários e das verbas rescisórias em suspensão temporária, mas que se aplicaria, claro, também a paralização definitiva, mas esse entendimento é minoritário.

 

Há também o entendimento de Luciano Vieiras em CLT Comentada[3], de forma mais generalista, que dispõe que nos casos em que a Administração Pública Federal, Estadual ou Municipal, obriga a paralisação das atividades da empresa e prejudica o empregador, concede a este o direito de chamar o “culpado” pela sua possível inadimplência de pagamento de verbas trabalhistas.

 

Há ainda o comentário do Prof. Antônio Daud Jr., em sua CLT esquematizada, que cita que sobre o dispositivo, que Valentin Carrion observa que esta paralisação imposta por autoridade se constitui como o factum principis, sendo uma das espécies de força maior, dispondo ainda que se trarta de um instituto esvaziado, em total desuso, e que se os atos de paralisações são motivados por comportamento ilícito ou irregular do empregador, a culpa e as sanções lhe são atribuídas integralmente e se os são motivados por comportamento regular dos empregadores, a cessação da atividade faz parte do risco do negócio e isenta o poder público de qualquer responsabilidade.

 

Segundo esse entendimento, o artigo sequer se aplica e não leva a obrigação do Poder Público de pagar.

 

Diante do exposto, entende-se que, primeiramente, tratando-se de paralisação definitiva imposta pelo Poder Público, seria o artigo aplicável para tentar responsabilizar o Poder Público pelo pagamento integral das verbas rescisórias e salários não quitados tendo em vista a paralisação das atividades, com cessação de faturamento e colapso da atividade empresarial.

 

Como, pelo atual momento, as paralisações impostas são provisórias, até quando se manter o estado de calamidade, as empresas que por atos do Poder Público estejam com restrições ou proibidas de exercer atividades, ou que, mesmo não estando elencadas no rol de proibições ou restrições de funcionamento, mas em decorrência deste atos, sofram problemas graves de faturamento e dificuldades de pagamento das verbas trabalhistas, podem invocar a aplicação do art. 486, da CLT, buscando responsabilizar o Poder Público pelo pagamento de salários e todas as verbas rescisórias devidas e não quitadas (interpretação mais extensiva com mérito a ser analisado), ou pelo menos da indenização da multa de 40% do FGTS e do aviso prévio indenizado, eis que o artigo faz alusão apenas a palavra indenização, que se relaciona com a multa de 40% do FGTS e o aviso prévio.

 

E a invocação citada dos disposto no art. 486, da CLT, decorreria do fato do empregador não proceder com o pagamento regular de salários, de promover a rescisão de contratos sem o pagamento das devidas verbas rescisórias (o que poderia demandar aumento do passivo ante a incidência da multa disposta no art. 477, da CLT, no valor do piso salarial do empregado dispensado) ou promover o pagamento de forma parcial, com consequente ajuizamento de ação trabalhista em face destes cenários, ocasião em que se invocaria o artigo para buscar se eximir da cobrança e direcioná-la ao Poder Público como responsável.

 

Por fim, ressalta-se que o empregador deve buscar orientação especializada para a análise de possibilidade e implementação das medidas apresentadas.

 

O GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados possui equipe especializada em Direito do Trabalho para atendimento imediato nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Uberlândia e Salvador, sem prejuízo da atuação à distância em outras localidades, com larga experiência no âmbito consultivo e contencioso, estando qualificado para solucionar demandas acerca do tema.

 

[1] Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
  • 1º – A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
  • 2º – À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.
[2] Saad, Eduardo Gabriel, 1915 — Consolidação das Leis do Trabalho comentada / Eduardo Gabriel Saad. — 37. ed. atual. e rev. por José Eduardo Duarte Saad, Ana Maria Saad Castello Branco. —- São Paulo : LTr, 2004.
[3] Viveiros, Luciano – CLT comentada pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) / Luciano Viveiros. 9. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
Ronan Leal
Ronan Leal é Advogado do Escritório GVM – Guimarães & Vieira de Mello Advogados, bacharel em Direito pela UEMG segundo semestre de 2008, pós graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo LFG. Larga experiência em Direito do Trabalho Empresarial com experiência em peças de todos os gêneros, recursos, audiências em geral, sustentação oral. Coordenação de área trabalhista, com a administração de demais advogados, distribuição e análise de tarefas. Experiência cível na área de Direito do Consumidor com atuação no juizado especial de relações de consumo e de trânsito. E-mail: rleal@gvmadvogados.com.br