A reforma da Lei de Arbitragem

Em 26 de maio de 2015 foi sancionada pelo Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente, a Lei Federal n.º 13.129, que introduz importantes alterações na Lei de Arbitragem (Lei Federal n.º 9.307/96). A modificação na Lei de Arbitragem pacificou muitos pontos polêmicos que por anos foram discutidos nos Tribunais e debatidos pela doutrina, sendo relevante instrumento de segurança jurídica para as partes que se valem desse meio de solução de conflitos.

A primeira das inovações na novel legislação é a possibilidade de utilização da arbitragem pela administração pública, direta ou indireta. Longos debates foram travados na Justiça acerca do recurso à arbitragem envolvendo a administração pública, tendo o Superior Tribunal de Justiça reconhecido a possibilidade de utilização do instituto para solução de controvérsias ligadas ao Estado. Com a inovação na lei, e pela vinculação da administração pública ao princípio da legalidade, a arbitragem não sofrerá mais dificuldades para ser instaurada em disputas envolvendo contratos com a administração pública, direta ou indireta.

Outra importante modificação na Lei de Arbitragem se refere à concessão da faculdade às partes para afastar as chamadas “listas fechadas” dos órgãos arbitrais. Em alguns órgãos, o regulamento limita a escolha de um ou mais árbitros do tribunal a membros das suas respectivas listas de árbitros. A lista fechada de árbitros suscita dúvidas e divide a doutrina: parte defende a lista fechada para manter o renome da Câmara eleita pelas partes, por meio da atuação exclusiva de árbitros conhecidos do órgão; parte a condena, por instituir reserva de mercado e limitar a autonomia da vontade das partes aos membros disponibilizados na referida lista.

A nova lei modificou o texto do § 4º do art. 13 da Lei n.º 9.307/96 para afastar, seja na cláusula compromissória ou no momento de instituição da arbitragem, a regra da lista fechada, privilegiando a autonomia da vontade das partes. Por outro lado, manteve a possibilidade de controle, pelos órgãos competentes, da escolha do árbitro de fora da lista, numa regra que concilia as duas posições doutrinárias antagônicas.

Um dos maiores méritos da novel legislação é a regulamentação das medidas cautelares ou de urgência que surjam antes ou durante a arbitragem, mediante a inserção de um capítulo novo para disciplinar o respectivo procedimento. Em correção da criticada redação anterior – que levava a crer que as medidas de urgência poderiam ser requeridas em juízo pelos próprios árbitros, como se atuassem em prol de uma das partes no feito! – a nova lei estabeleceu, em dispositivos separados, regras sobre a competência para requerimento da medida, o ajuizamento da demanda principal e a confirmação ou revogação da liminar após superveniente instituição da arbitragem.

Reiterando entendimento jurisprudencial firmado sobre a questão, o novel art. 22-A da Lei de Arbitragem confirma a competência do Poder Judiciário para dirimir questão urgente antes da instituição da arbitragem – a qual se dá com a aceitação da nomeação pelos árbitros (art. 19, Lei de Arbitragem) e normalmente se materializa na assinatura do Termo de Arbitragem. Após a concessão da medida urgente pelo Judiciário, a parte interessada deverá requerer a instituição da arbitragem em 30 (trinta) dias. Depois de instituída a arbitragem, e de acordo com o art. 22-B, os árbitros poderão analisar novamente a medida urgente previamente tutelada pelo Poder Judiciário, para mantê-la, modificá-la ou revogá-la. Por fim, confirmou-se a competência do tribunal arbitral para conhecimento de questões urgentes ou cautelares surgidas no decorrer da arbitragem já instituída.

Em consonância com o Novo Código de Processo Civil, o recém-incluído art. 22-C da Lei de Arbitragem dispõe sobre a carta arbitral. Por meio desse documento, que se assemelha a uma carta precatória, o árbitro pode requerer à autoridade judiciária nacional competente o cumprimento de determinado ato por ele determinado. Dessa forma, o árbitro pode requerer, por exemplo, a condução coercitiva de testemunhas à audiência ou a efetivação de medida cautelar por ele deferida, cujo cumprimento não lhe é possível por não deter o poder de executar (jus imperium) suas decisões.

Os prazos para prolação da sentença arbitral, para apresentação do pedido de esclarecimentos à sentença e para prolação da respectiva resposta foram também objeto de nova regulamentação. Conquanto tenham sido mantidos os prazos legais, consignou-se às partes e aos árbitros a possibilidade de prorrogação ou modificação de qualquer um deles, no Termo de Arbitragem ou até mesmo na cláusula compromissória. Privilegia-se, com isso, a qualidade do resultado do procedimento arbitral, sem perder de vista a celeridade inerente ao instituto.

Importante alteração diz respeito à ação para anulação da sentença arbitral. Além corrigir imprecisão contida no inciso I do art. 32 da Lei de Arbitragem (que fazia remissão à nulidade do compromisso arbitral tão somente, mas não da convenção de arbitragem, na qual está inserida também a cláusula compromissória), a nova lei suprime a possibilidade de anulação de sentença arbitral que não decidir o litígio como um todo. A alteração se fez necessária em face da autorização para prolação de sentenças arbitrais parciais, e possui regramento complementar no novo § 4º do art. 33 da Lei de Arbitragem: verificado que a sentença arbitral não decidiu todos os pedidos formulados no feito, o interessado pode ingressar em juízo para postular a prolação de sentença arbitral complementar, mas não para obter sua anulação.

Além disso, a lei estabelece que o prazo de 90 (noventa) dias para ajuizamento da ação de anulação de sentença arbitral conta da notificação da sentença final ou parcial, e atualiza o seu texto em face das últimas modificações do Código, prevendo que a alegação de nulidade de sentença arbitral seja deduzida em impugnação ao cumprimento de sentença, e não por meio de embargos à execução.

A atualização do texto legislativo também foi a tônica da modificação ao disposto nos arts. 35 e 39 da Lei de Arbitragem. Pela Emenda Constituciona nºl 45/2004, a competência para homologação de sentença arbitral estrangeira passou a ser do Superior Tribunal de Justiça, e não do Supremo Tribunal Federal. A mudança legislativa serve para harmonizar o texto legal ao constitucional.

Por fim, a Lei n.º 13.129/15 estabelece mudança na Lei das Sociedades por Ações (Lei n.º 6.404/76), a respeito da inserção da convenção de arbitragem no estatuto social da companhia. O dispositivo legal afirma a aplicabilidade da cláusula compromissória a todos os acionistas (mesmo os que não concordarem com a arbitragem), estabelecendo que a validade da modificação do estatuto que inseriu a regra se dá no prazo de 30 (trinta) dias contados da publicação da ata da assembleia que a aprovou.

Lado outro, a nova lei estabelece o direito de retirada do acionista que discordar da cláusula compromissória no estatuto da sociedade, mediante reembolso do valor das suas ações. Contudo, o exercício do referido direito de retirada não será aplicável se a inclusão da convenção de arbitragem for requisito para que os títulos da companhia sejam negociados em determinados segmentos de listagem da bolsa de valores, ou nos casos em que a inclusão se dê em companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado (conforme conceito estabelecido no art. 137, inciso II, alíneas “a” e “b” da Lei das Sociedades por Ações).

Ainda que o Vice-Presidente da República em exercício tenha vetado dispositivos do Projeto de Lei aprovado no Congresso (referentes a arbitragem e direito do consumidor e direito do trabalho) a Lei n.º 13.129/15 traz importantes alterações para solidificar o instituto da arbitragem no Brasil. Diversas questões relativas à arbitragem que por anos ocuparam os tribunais foram pacificadas na nova lei, tornando o instituto ainda mais maduro, e menos inseguro, depois de quase dezoito anos da edição da Lei n.º 9.307/96 e da efetiva utilização da arbitragem como método de solução de controvérsias em território brasileiro.