Já há algum tempo o indexador a ser utilizado para a correção monetária dos créditos trabalhistas é motivo de controvérsias e inseguranças jurídicas, situação a que pretende dar fim o Supremo Tribunal Federal com o pronunciamento acerca do tema, por meio do controle concentrado de constitucionalidade, nos autos das Ações Constitucionais (ADIs 5.867 e 6.021; ADCs 58 e 59) ajuizadas para ver declarada a (in)constitucionalidade do índice legalmente previsto, o TR, nos termos dos artigos 879, parágrafo 7º, da CLT e do artigo 39, da Lei 8.177/1991.
O tema é tão relevante para a Justiça do Trabalho e para todos os jurisdicionados, de modo geral, que foi determinado, pelo relator das ADCs e ADIs, Ministro Gilmar Mendes, a suspensão de todos os processos em tramite em que haja controvérsia acerca do índice de correção monetária a ser aplicado.
Importante frisar que tal determinação nacional de suspensão, não impede, contudo, conforme esclarecido pelo ministro relator, o “regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção.”.
Inicialmente, cumpre discorrer sobre a importância da correção monetária na economia, visto que é a partir dela que se obtém a adequação de um valor perante a inflação, de modo que, com ela, se torna possível ajustar o valor devido, compensando-se a perda econômica ocorrida no tempo.
Pois bem. Desde o ano de 1991, a teor do art. 39, da Lei nº 8.177/1991, o índice previsto legalmente para corrigir monetariamente os débitos trabalhistas é a TRD (Taxa Referencial Diária).
A partir do ano de de 2015, entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho formou entendimento, no julgamento do processo de número AIRR-479-60.2011.5.04.0231, no sentido de que o referido índice, qual seja, a TR, previsto no art. 39, da Lei nº 8.177/1991, é inconstitucional, “por arrestamento”, para corrigir os débitos trabalhistas, tendo passado a aplicar o índice IPCA-E, que melhor preservaria o valor real da moeda.
Tal entendimento se pautou no julgado das ADIs 4.357 e 4.425, na qual o STF entendeu pela inaplicação da TR para correção monetária de precatórios da Fazenda Pública.
A reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017), na contramão do entendimento do TST, incluiu o parágrafo 7º ao art. 879, da CLT, determinando a utilização da TR como índice de correção dos créditos trabalhistas.
A celeuma, então, se instaurou e o judiciário trabalhista se dividiu, motivo pelo qual houve a necessidade do pronunciamento da Corte Constitucional acerca da validade da norma contida nos artigos de art. 39, da Lei nº 8.177/1991 e artigo 879, §7º, da CLT, com o julgamento em conjunto das ADCs 58e 59 e das ADIs 5867 e 6021, as quais tiveram início no último dia 12 de agosto de 2020.
Pois bem. Em recente decisão, publicada em 26/08/2020, o ministro relator Gilmar Mendes votou no sentido de que “a TR se mostra inadequada, pelo menos no contexto da CLT, como índice de atualização dos débitos trabalhistas”. Reforçou, entretanto, que o TST, no julgamento do AIRR-479-60.2011.5.04.0231, além de ter interpretado erroneamente os precedentes do Supremo, não tinha base legal para decidir pela aplicação do IPCA-E para correção dos débitos trabalhistas.
Compartilhando do mesmo entendimento do ministro relator, no dia 27/08/2020, oito foram os ministros que votaram pela inconstitucionalidade do índice TR para a correção monetária dos créditos trabalhistas, de modo que, até então, esse entendimento é unânime. Dessa forma, o artigo 879, §7º, da CLT, que prevê a TR como o índice de correção monetária débitos trabalhistas, tecnicamente, já é considerado inconstitucional.
Os ministros, de modo geral, entenderam que a utilização da TR não reflete a variação de preços no país, criando um desequilíbrio na relação obrigacional entre credor e devedor, ofendendo o direito de propriedade do credor e não preservando os valores dos créditos trabalhistas, os quais possuem natureza alimentar.
A controvérsia agora gira em torno do indexador a ser adotado em substituição ao TR, tendo se formado duas correntes no plenário, votação a qual, permanece empatada: o relator, Ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelos Ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, entendem que, enquanto o Congresso Nacional não apresentar resolução para o caso, a solução mais razoável para a controvérsia seria utilizar, para as demandas trabalhistas, os mesmos critérios já em uso nos processos cíveis (IPCA-E na fase pré-judicial, e a partir da citação, a taxa Selic); o Ministro Edson Fachin, por sua vez, inaugurou voto divergente, acompanhado pelos Ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que entenderam pela aplicação apenas do IPCA-E, sendo esse o índice que mais corresponderia à inflação, de modo a ser o mais apto a repor o poder aquisitivo.
No mesmo sentido, fundamentando sua decisão pela aplicação do índice IPCA-E, a Ministra Rosa Weber, defende que, enquanto a matéria não for solucionada pelo Congresso Nacional, deve ser observada a solução adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, “intérprete maior da legislação trabalhista e da CLT”, que entende pela aplicação do IPCA-E.
As propostas de resolução da controvérsia apresentada pelos Ministros têm o potencial, levando em conta a variação atual dos índices, de encarecer os débitos trabalhistas em cerca de 50% a 100%, no caso de utilização apenas do IPCA-E, e de 50% no caso de utilização da Selic, motivo pelo qual, a depender do índice a ser mais votado, a diferença no impacto financeiro dos jurisdicionados será considerável.
Com o empate na votação, em razão da ausência dos Ministros Luiz Fux, impedido nesse julgamento, e Celso de Mello, com licença médica e prestes a se aposentar, o presidente da sessão de julgamento, Ministro Dias Toffoli, pediu vista dos autos antes de emitir seu voto, que pode desempatar a discussão.
Há quem diga que o seu voto, seja qual for a corrente que se filiar, não irá definir a questão, visto que o resultado da votação será de 5 a 4 quando, na verdade, seriam necessários 6 votos para a declaração ou não da constitucionalidade de lei, de acordo com o princípio da reserva de plenário, previsto no art. 97, da CF/88, que estabelece que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros” seria possível a declaração da inconstitucionalidade. Tal não parece ser a conclusão mais acertada, visto que a maioria absoluta dos votos, quanto ao mérito da questão, qual seja, a inconstitucionalidade da TR propriamente dita, já foi alcançada, restando agora apenas o índice a ser aplicado em sua substituição, frise-se, até o pronunciamento do Congresso Nacional.
Dessa forma, depois de muita discussão na Justiça do Trabalho, a controvérsia acerca da correção monetária a ser utilizada nos créditos trabalhistas se aproxima de um fim, de modo que o judiciário trabalhista aguarda ansiosamente o voto do Ministro Dias Toffoli para que, além da declaração da inconstitucionalidade do índice TR, seja definido qual o índice será fixado em sua substituição, bem como eventual modulação dos efeitos da referida decisão.