Contratos internacionais: A responsabilidade pré-contratual na Alemanha, Brasil e Portugal

As interações sociais estão cada vez mais globalizadas, a internacionalização de ideias, conceitos, métodos de vida são constantes. No mundo jurídico não é diferente, os contratos realizados entre empresas de âmbito internacional estão em constante expansão.

Nas exportações o Brasil apresentou um aumento de 20,4% (vinte vírgula quatro por cento), comparadas às médias de fevereiro de 2017 com o mesmo mês de 2018 (RÊGO, 2018). Em consequência, os números de negócios jurídicos tendem a aumentar.

Apesar de vários contratos internacionais serem firmados, muitos ficam sem concretização e terminam precocemente no período de negociações. Nesse instante, começa a responsabilidade pré-contratual antes da concretização do contrato.

A responsabilidade pré-contratual ocorre na fase da formação de contratos, ou seja, no momento em que ocorrem as tratativas. É cediço que o contrato nem sempre ocorre de forma contínua, à fase de negociação pode ser prolongada, caracterizada por sondagens, conversações, debates (GONÇALVES, 2015).

Dessa forma, dependendo do grau de confirmação da outra parte, isto é, passando a certeza da realização da negociação (boa-fé objetiva) os contratantes podem ser responsabilizados.

A responsabilidade pré-contratual (ou extracontratual) é entendida como o dever de reparar algum dano causado por ato ilícito que não o incumprimento de uma obrigação, bem como o risco ou por um fato lícito, colocado a cargo de quem o causou ou, em casos excepcionais, de um terceiro (VICENTE, 2017).

Notoriamente, a responsabilidade pré-contratual é contraposta da responsabilidade contratual. A primeira, não decorre do ilícito do incumprimento contratual, ocorre ainda na fase das negociações. A segunda é a que decorre do ilícito consistente do ultraje da obrigação

No sistema brasileiro a formação do contrato é conduzido pelo princípio da boa-fé objetiva, positivado no art. 422 do Código Civil brasileiro:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O legislador brasileiro indica que os contratantes são obrigados a respeitar na conclusão e na execução dos contratos o princípio da boa-fé objetiva, isto é, respeitar os limites de externalização da vontade.

A externalização da vontade é a expressão das opções contratuais da parte de maneira concreta. Lado outro, a vontade subjetiva, interna do sujeito não é possível de ser compreendido. A externalização da vontade pode ser expressa por meio de e-mails, como exemplo.

A boa-fé objetiva exprime um modelo de comportamento social esperado, devendo a pessoa “ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, probidade e lealdade” (PEREIRA, 2012).

Dito isso, percebe-se que o rompimento abrupto e injustificado das tratativas contratuais não está de acordo com o princípio da boa-fé objetiva, e consequentemente confronta a ordem jurídica brasileira, uma vez que o princípio da boa-fé foi consagrado como uma cláusula geral no Direito Brasileiro.

Em consequência da quebra jurídica, o agente pode ser responsabilizado civilmente com o pagamento de indenização dos danos causados da quebra abrupta e injustificada das negociações contratuais.

Na Alemanha a responsabilidade pré-contratual teve o seu nascedouro, através das ideias de Rudolf Von Jhering. Aliás, a noção de uma forma sistêmica da responsabilidade pré-contratual é atribuída a Rudolf Von Jhering por meio da sua obra “Culpa in contrahendo ou indenização em contratos nulos ou não chegados à perfeição” no qual idealizou a responsabilidade ainda no campo das negociações.

Apesar de Jhering ter traçado a ideia inicial da responsabilidade pré-contratual, o código civil Alemão (BGB) até a reforma de 2002, não possuía dispositivo legal que tratasse (igual ao art. 422 do Código Civil brasileiro) a responsabilidade pré-contratual.

Todavia, a jurisprudência alemã interpretando a obra do catedrático alemão já conferia forma à responsabilidade pré-contratual. Após 2002, ocorreu uma reforma no BGB positivando o entendimento jurisprudencial (CANARIS, 2003).

Dessa maneira, o parágrafo § 311 do BGB acolhe como figura geral a culpa in contrahendo. O referido artigo menciona que uma relação obrigacional com deveres ergue-se na tratativa de negociações contratuais. Ainda, o dispositivo menciona que na preparação de um contrato que poderá dar ensejo a uma relação jurídica e contratos que sejam semelhantes a negociais.

Desse modo, podemos analisar que na Alemanha, mesmo sendo Jhering o propulsor da ideia de culpa in contrahendo nos casos já citados, possibilitou a jurisprudência alemã utilizar o conceito de forma extensiva nos casos da responsabilidade extracontratual. Mesmo assim, foi o último a positivar essa ideia no seu código civil.

Por outro lado, a jurisprudência e a doutrina portuguesa entendem que a responsabilidade extracontratual tem natureza obrigacional e se encontra sujeita às regras próprias da responsabilidade contratual, ou seja, as negociações tem caráter obrigacional. Ainda, a fase pós-contratual está abrangida também, por exemplo, guardar segredos industriais.

O art. 227° do Código Civil Português preleciona a culpa na formação dos contratos, afirmando que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

Dito isso, pode-se resumir a responsabilidade pré-contratual no caso português em três maneiras, sendo elas: 1°) a quebra sem justificativa nas negociações já avançadas; 2°) a concretização de um contrato ineficaz de forma lato sensu por vício imputável a uma das partes e a 3°) a celebração de um contrato que transgrida os deveres e direitos da boa-fé.

Dessa maneira, no país lusitano apesar da proximidade histórica com o BGB e a intenção de criar uma cláusula geral, adotou-se e positivou no Código Civil Português um instituto de responsabilidade civil, haja vista que o modelo generalista não iria abranger os bens jurídicos tutelados em Portugal.

Sendo assim, nota-se que os três países apresentados possuem um mecanismo para responsabilizar os danos causados na fase negocial do contrato. Consequentemente, é gerada uma segurança jurídica para o empresário que tem a intenção de expandir e internacionalizar a sua marca, bem como para as empresas que já tem atuação internacional no mercado. Para mais, é dever das partes orientarem a sua conduta pautada na boa-fé objetiva tencionando evitar demandas judiciais internacionais que costumam ser morosas e de alto dispêndio.

Referências bibliográficas
ALEMANHA. German Code Civil – BGB. Disponível em: http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Alemao-BGB-German-Civil-Code-BGB-english-version.pdf. Acesso em: 1 dez. 2017.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 03 de mar. 2018.
BRASIL, Agência Brasil/Tânia Rêgo. Balança comercial atinge saldo positivo na terceira semana de fevereiro. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2018/02/balanca-comercial-atinge-saldo-positivo-na-terceira-semana-de-fevereiro>. Acesso em: 03 mar. 2018.
CANARIS, Claus-wilhelm. O novo direito das obrigações na Alemanha. Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro, v. 1, n. 25, p.3-26, jun. 2003. Semestral.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2015.v.3: Contratos e atos unilaterais.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. v. 3: Contratos.
PORTUGAL. Código Civil Português. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis . Acesso em: 27 nov. 2017.
VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado: Volume II: Obrigações. Lisboa: Almedina, 2017. 300 p. v. 2. P. 404.
VON JHERING, Rudolf. Culpa in contrahendo : ou indemnização em contratos nulos ou não chegados à perfeição. Coimbra: Almedina, 2008. 89 p. Tradução e nota introdutória de Paulo Mota Pinto.

 

Gabriel Costa é Estagiário do GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados, estudante da Faculdade de Direito Milton Campos. Pesquisador pela FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa – MG em 2015/2016. Realizou do projeto de pesquisa “Estado Laico Brasileiro: do contexto histórico à integridade”. Participou do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito) – Publicou do pôster referente à pesquisa “Estado Laico Brasileiro: do contexto histórico à integridade”. Monitor de Sociologia e Sociologia jurídica no 1° semestre de 2016. Intercâmbio na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa no 2° semestre de 2017. E-mail: gcosta@gvmadvogados.com.br

Heloina Miranda: Advogada e Coordenadora Cível do Escritório GVM – Guimarães & Vieira de Mello Advogados em Belo Horizonte responsável pelas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico nas áreas: cível, imobiliária, indenizatórias em geral e locação. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós Graduanda em Direito Cível e Processual Cível pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: hmiranda@gvmadvogados.com.br