O Combate à Inadimplência por Meio de um Planejamento Jurídico Preventivo

Historicamente, o processo de trocas de produtos foi o início do desenvolvimento da atividade comercial. Com a criação da moeda, as atividades comerciais resumiam-se na troca de um bem ou serviço pelo seu valor determinado[1].

Contudo, o avanço das atividades comerciais permitiu que os empresários fomentassem o acesso aos produtos para uma quantidade maior de pessoas, o que acarretou o aparecimento das vendas a prazo, assim, as empresas passaram a viabilizar aquisições e negociações através da concessão de crédito, estendendo prazos e permitindo pagamentos parcelados. Isso possibilitou as empresas aumentarem seu nível de produtividade, estimulando o consumo e influenciando a demanda[2].

Entretanto, o atual cenário econômico do país reflete diretamente nos altos índices de inadimplência vivenciados pelas empresas de um modo geral[3]. Nesses tempos, tão importante quanto concretizar novas vendas, é vender com a segurança de que se irá receber o valor combinado, o que tem exigido, cada vez mais, o conhecimento e adoção de medidas que visam minimizar as perdas decorrentes da impontualidade dos clientes.

Todas as medidas, entretanto, encontram certamente um ponto em comum: a necessidade de planejamento e de auxílio de profissionais especializados e capacitados.

Isso porque, ainda que exista uma grande responsabilidade por parte dos consumidores pelo não pagamento de suas dívidas, as empresas também cometem falhas nos seus planejamentos de concessão de crédito, venda e cobrança, o que leva a consequências desastrosas[4].

Nesse sentido, a gestão adequada de passivos é importantíssima para a continuidade dos negócios e nessa gestão é fundamental a atuação do advogado, realizando o planejamento jurídico preventivo, a fim de reduzir os riscos do processo de venda.

Para isso, é necessária a atuação nos três grandes pilares que envolvem a inadimplência: a venda, o pagamento e o processo de cobrança, conforme veremos a seguir.

No quesito venda, observam-se dois momentos, a investigação e a formalização.

Nesse ponto é possível, e necessário, fazer uma investigação sobre a credibilidade do futuro cliente, antes de concretizar uma nova venda. São exemplos de mecanismos que possibilitam esta investigação: exigir a apresentação de documentos pessoais do futuro cliente para análise; fazer uma consulta completa da situação do futuro cliente junto a órgãos de proteção ao crédito para verificar se o mesmo possui registros de protestos, cheques devolvidos por insuficiência de fundos ou sustados, pendências financeiras, etc.; realizar consultas de processos judiciais em andamento; checar os dados do cliente – em especial, endereço completo e nome do (s) representante (s) legal (is) – junto à Receita Federal.

Esta fase de investigação é um instrumento importante e pode auxiliar o vendedor na decisão quanto à concessão ou não do crédito para o novo cliente[5].

Superada esta fase, destaca-se a necessidade da formalização da venda por meio de documentos hábeis a comprovar a venda e as condições prévias estabelecidas pelas partes tais como a emissão de nota fiscal de venda e a formalização de um contrato.

Ora, contratos bem elaborados e executados da forma adequada, com regras pré-estabelecidas, evitam inúmeros questionamentos e preocupações futuras para as empresas[6]. Para tanto, as partes devem ter ciência de que o contrato possui a atribuição de impor limites à vontade e à liberdade de ambas.

Dependendo do caso em concreto, onde o contrato não seja possível de ser formalizado, o pedido de compra, juntamente com a nota fiscal, pode cumprir este papel, sempre lembrando a importância de definir as condições prévias do negócio e colher a assinatura das partes envolvidas.

De qualquer modo, novamente é de se ressaltar a essencialidade da presença, e efetiva assistência, de um profissional especializado na gestão contratual, para o fim de reduzir riscos e evitar danos à empresa. Apenas o profissional detém conhecimento pleno e minucioso do conteúdo das cláusulas contratuais, bem como pode aconselhar os casos excepcionais em que o contrato pode ser dispensável.

No que tange ao pagamento é imprescindível que a empresa elabore regras claras e uma política de pagamentos que contemple as condições de pagamento, eventuais percentuais de descontos concedidos, prazos, parcelamentos e penalidades.

As referidas regras deverão ser de amplo conhecimento dos vendedores e funcionários, facilitando a sua aplicação e evitando que algum vendedor pratique uma política diversa dos objetivos e das possibilidades da empresa. Se possível, essas condições de pagamento devem constar expressamente do contrato de formalização do negócio. Tudo isso em respeito ao direito/dever de informação ao consumidor, disposto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa ao Consumidor[7].

Importante frisar, ainda, que quanto maior a observância da legislação aplicável ao negócio, com o adequado planejamento estrutural do processo de venda, maior a probabilidade de sucesso em um futuro processo de cobrança, extrajudicial ou judicial.

Em relação à cobrança, por fim, experiências do mercado nos mostram que quanto mais rápida for realizada a cobrança, mais eficaz ela será[8]. Assim, a empresa deverá definir seu próprio meio de efetuar a cobrança instantânea, que geralmente é realizada em um primeiro momento por e-mail e telefone, e posteriormente pode ocorrer por meio de envio de notificação extrajudicial, concedendo prazo para o devedor regularizar o pagamento, antes da tomada de medidas mais incisivas.

Caso persista a inadimplência mesmo após realizada a “cobrança instantânea”, o próximo passo que poderá ser adotado pelo credor é o de registrar o protesto do débito, ou ainda, efetuar a negativação do nome do devedor em órgãos de proteção ao crédito, tais como SPC/SERASA. Ressaltando-se que o protesto, apesar de mais utilizadas no mercado, é um mecanismo que envolve altos custos, pois tanto o seu registro, como a sua baixa envolvem custas e emolumentos a serem pagos ao tabelionato, e o seu procedimento é mais burocrático que a simples negativação do nome do devedor em órgãos de proteção ao crédito.

Pois bem. Uma vez realizadas as tentativas de cobrança extrajudicial, e estas restarem infrutíferas, subsiste uma alternativa ao credor: a via judicial.

Essa pode ocorrer por Ação de Execução de Título Extrajudicial, Ação Monitória, ou simples Ação de Cobrança. Havendo, ainda, a possibilidade, mais rara, de propor-se Ação de Falência em face de devedor pessoa jurídica, a depender do valor do débito, notadamente valores superiores a 40 (quarenta) salários mínimos, a teor do Art. 94, inciso I, da Lei 11.101/2005[9].

A escolha por cada tipo de procedimento judicial depende, principalmente, da documentação que o credor possui para comprovar o débito.

Se as etapas anteriores foram cumpridas adequadamente, e foi realizado o planejamento do procedimento de venda, é possível a cobrança de forma mais ágil, por meio de Execução de Título Extrajudicial.

Esta modalidade de execução pode ser utilizada como forma de recuperação do crédito, apenas para determinados títulos de crédito, previstos no artigo 784 do Código de Processo Civil[10], como o cheque (com menos de 6 meses de vencido), Notas Promissórias, Duplicatas, Termos de Confissão de Dívida e alguns contratos com cláusulas específicas que o transformam em um Título Executivo Extrajudicial.

Não havendo documentação hábil a instruir a Ação Executiva, as demais Ações podem ser intentadas, sempre observando os requisitos específicos de cada uma, e a necessidade de assistência por um advogado.

Realizando estas medidas o credor, conforme mencionado anteriormente, não impedirá o acontecimento da inadimplência, mas poderá reduzir significativamente o seu índice de incidência, e ainda facilitar uma futura cobrança eficaz.

[1] Nunes, A. e S., Henrique. C.E.V. – A História do Comercio: A evolução do comércio desde os descobrimentos até ao comércio electrónico. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/48572681/A-Evolucao-do-Comercio. Acessado em: 30/01/2018.
[2] SILVA, José Pereira da. Gestão e Análise de Risco de Crédito. São Paulo: Atlas, 1997. p. 68.
[3]SERASA EXPERIAN. Mapa da Inadimplência no Brasil em 2014. Publicado em 2015. Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/estudo-inadimplencia/. Acesso em: 29/01/2018.
[4] TAVARES, Célio. 2011. Dicas sobre finanças pessoais. Disponível em: http://www.ctavares.com.br/. Acesso em: 07/01/2018.
[5] CENTA, S. A.. Análise de crédito. 2. Ed.Curitiba: Ibpex, 2004, p.21.
[6] Valéria N. S. Caiado, Mônica S. Salgado. A gestão de contratos e sua influência na qualidade do processo de projeto: estudo de
caso em construtoras do rio de janeiro. 2015. Disponível Em: Http://Www.Periodicos.Usp.Br/Gestaodeprojetos/Article/View/50893. Acesso Em: 23/01/2018.
[7] [7] BRASIL. Congresso Nacional. Lei 8.078/90. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 31/01/2018.
[8] SPC BRASIL. Pesquisa recuperação de crédito e cobrança. Disponível em: https://www.spcbrasil.org.br/uploads/st_imprensa/cobranca_analise.pdf. Acesso em 31/01/2018.
[9] BRASIL. Congresso Nacional. Lei 11.101/2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 31/01/2018.
[10] BRASIL. Congresso Nacional. Lei 13.105/2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 31/01/2018.

 

Fernanda Carvalho: Advogada do Escritório GVM – Guimarães & Vieira de Mello Advogados em Belo Horizonte, atuando na área de Direito Empresarial e Cível Estratégico. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós Graduanda em Governança, Riscos Compliance e Controles pelo CEDIN – Centro de Estudos em Direito e Negócios. E-mail: fcarvalho@gvmadvogados.com.br

Heloina Miranda: Advogada e Coordenadora Cível do Escritório GVM – Guimarães & Vieira de Mello Advogados em Belo Horizonte responsável pelas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico nas áreas: cível, imobiliária, indenizatórias em geral e locação. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós Graduanda em Direito Cível e Processual Cível pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: hmiranda@gvmadvogados.com.br