Eleição de métodos para solução de conflitos: O negócio jurídico processual nos contratos brasileiros

O judiciário brasileiro está a cada dia mais atarefado, o que tem ocasionado uma crise estrutural de valores e de eficiência. O CNJ revelou que 79,7 milhões[1] de processos tramitaram no Judiciário brasileiro no ano de 2016, confirmando que o Poder Judiciário está sobrecarregado, consequentemente, a qualidade do serviço prestado fica aquém do desejado, notadamente, em relação aos princípios da celeridade e direito da parte a duração razoável do processo.

Diante dessa perspectiva, as formas de resolução adequada de conflitos, como mediação, conciliação, arbitragem, ganham força no cenário nacional.

A mediação é um processo autocompositivo, no qual as partes em litígio são auxiliadas por um terceiro imparcial. Dessa forma, o mediador catalisa o diálogo entre as partes[2].

Já a conciliação pode ser definida como procedimento autocompositivo breve, auxiliado por um terceiro neutro ao conflito, utilizando de técnicas para realizar um acordo[3].

Por fim, a arbitragem é o método pelo qual as partes outorgam a um arbítrio ou grupo de árbitros a função de mitigar o litígio. Dessa forma, as pessoas escolhidas pelas partes proferem decisões com força das sentenças judiciais[4].

Isso porque, ao elaborarem um contrato, em muitos casos, os contratantes podem estipular cláusulas que preveem qual será o método de resolução de conflito a ser utilizado quando do surgimento de uma crise na relação jurídica material das partes.

Nesse contexto, surgem com maior frequência as chamadas cláusulas escalonadas ou cláusulas combinadas que são a eleição de foro e arbitragem, inseridas no mesmo contrato[5].

Comumente, essa cláusula trata de assuntos específicos do contrato. Inclusive, cabe ressaltar que nada impede que referida cláusula seja utilizada num mesmo contrato, como por exemplo, a eleição de arbitragem para um tópico do contrato e mediação para outro assunto. Por exemplo, em um contrato de compra e venda as partes podem eleger a mediação em caso de mero inadimplemento relativo ao pagamento e convencionar a arbitragem em caso de impontualidade, descumprimento ou discussão envolvendo as obrigações relacionadas ao objeto do contrato por qualquer das partes.

Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil positivou o negócio jurídico processual previsto no art. 190 para ampliar o espaço para realização de uma possível conciliação permitindo ajustes ou acordos sobre o processo[6], observe-se:

Art. 190.  Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único.  De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

O negócio jurídico processual é um fato jurídico voluntário que reconhece ao sujeito a prerrogativa de regular algumas situações jurídicas processuais ou até mesmo alterar o procedimento. Contudo, deve-se observar os limites legais previstos no ordenamento jurídico (DIDIER p. 381).

Logo, o negócio jurídico processual deve versar sobre direito disponível, as partes devem ser capazes, para que possam convencionar antes ou durante o processo.

Ademais, é possível que as partes estabeleçam o Negócio Jurídico Processual contratualmente. E, neste caso, mesmo que uma delas instaure procedimento diverso para a resolução do conflito, isso por si só, não invalidaria a convenção do Negócio Jurídico Processual. À título de exemplo, no caso das partes terem adotado a arbitragem como meio de resolução de conflito, o art. 10[7] inc. III da lei 9.307/1996 (Lei da arbitragem) preleciona que o compromisso arbitral delimitará a matéria que será objeto da arbitragem.

Em função disso, a existência do compromisso arbitral não impossibilitaria a discussão de assunto diverso do elencado na arbitragem na via judicial, e neste último caso, nada impede a negociação de prazo em dobro para as partes por meio do Negócio Jurídico Processual.

Posto isso, percebe-se que o compromisso arbitral deve especificar a matéria que será objeto da arbitragem, o que não significa que deva abarcar o contrato em sua totalidade.

Desse modo, compete ao Juiz controlar o negócio jurídico, só recusando a sua aplicabilidade se restar configurada alguma nulidade, conforme o 190, §1º do CPC[8].

Portanto, adotar o negócio jurídico processual é benéfico no sentido de conceder às partes, antes ou após a formação dos contratos, o poder de aderir aos procedimentos existentes de resolução de conflitos conforme as suas necessidades e interesses.  Em suma, trata-se de uma forma de acelerar o processo através da possibilidade de cooperação mútua, tornando-o mais econômico para ambas as partes, bem como aproximando-as da construção das diretrizes que nortearão o processo e a atuação do julgador até a decisão final.

 

[1]Retirado do site: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao, na data 24/04/2018.
[2] Retirado do site: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/1818cc2847ca50273fd110eafdb8ed05.pdf, na data 24/04/2018.
[4] Retirado do site: http://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/arbitragem_2014-2.pdf, na data 24/04/2018.
[5] Retirado do site: http://selmalemes.adv.br/artigos/ClausulasCombinadas.pdf, na data 24/04/2018.
[6] WAMBIER, p. 591.
[7] Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:
III – a matéria que será objeto da arbitragem
[8]Retirado do site: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI261964,71043Solucao+de+conflitos+contratuais+A+possivel+convivencia+entre, na data de 19/042018.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Nacional. JUSTIÇA EM NÚMEROS INDICA TEMAS MAIS DEMANDADOS NOS TRIBUNAIS. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85421-justica-em-numeros-indica-os-assuntos-mais-demandados-em-2016-nos-tribunais>. Acesso em: 23 abr. 2018.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Nacional. GUIA DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO: ORIENTAÇÕES PARA IMPLANTAÇÃO DE CEJUC’S. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/1818cc2847ca50273fd110eafdb8ed05.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2018.
CONGRESSO NACIONAL. Nacional. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 19 abr. 2018.
CONGRESSO NACIONAL. Nacional. DISPÕE SOBRE A ARBITRAGEM. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 19 abr. 2018.
DIDIER JUNIOR, Fredie. CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL – v. 1: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPODIVM, 2015. v.1. 786 p.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. PRIVADA. ARBITRAGEM. Disponível em: <http://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/arbitragem_2014-2.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2018.
GVM | GUIMARÃES & VIEIRA DE MELLO ADVOGADOS. Privado. ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO – CLÁUSULAS ESCALONADAS: COMO FUNCIONAM E QUANDO DEVEM SER UTILIZADAS. Disponível em: <https://gvmadvogados.com.br/noticias-juridicas/arbitragem-e-mediacao-clausulas-escalonadas/>. Acesso em: 19 abr. 2018.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Org.). BREVES COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SÃO PAULO: REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2015. 2422 p.

 

Gabriel Costa é Estagiário do GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados, estudante da Faculdade de Direito Milton Campos. Pesquisador pela FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa – MG em 2015/2016. Realizou do projeto de pesquisa “Estado Laico Brasileiro: do contexto histórico à integridade”. Participou do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito) – Publicou do pôster referente à pesquisa “Estado Laico Brasileiro: do contexto histórico à integridade”. Monitor de Sociologia e Sociologia jurídica no 1° semestre de 2016. Intercâmbio na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa no 2° semestre de 2017. E-mail: gcosta@gvmadvogados.com.br

Heloina Miranda: Advogada e Coordenadora Cível do Escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados em Belo Horizonte responsável pelas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico nas áreas: cível, imobiliária, indenizatórias em geral e locação. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós Graduanda em Direito Cível e Processual Cível pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: hmiranda@gvmadvogados.com.br